Cotidiano

Willy Müller, arquiteto: ?Só pensar em transportes rápidos não é suficiente?

?Tenho 55 anos e sou argentino, mas moro em Barcelona há mais de 30. Lá, fiz
meu doutorado em urbanismo e fundei o Instituto de Arquitetura Avançada da
Catalunha. Trabalho com planos de desenvolvimento urbano metropolitano e já
estive em países como Peru, Rússia e China.?

Conte algo que não sei.

Transportes cada vez mais rápidos podem potencializar o
processo de degradação de uma cidade. Apesar de as pessoas acreditarem que
modernidade é sinal de velocidade, é preciso entender que, muito mais importante
que a rapidez de um meio de transporte, é sua frequência. Seja um trem, metrô ou
BRT, quanto mais composições estiverem disponíveis e quanto mais integrado for
um sistema de transporte, melhor será a locomoção na cidade. Só pensar em
transportes rápidos não é o suficiente.

De que maneira os transportes mais rápidos podem prejudicar a
mobilidade urbana?

É lógico que transportes modernos e rápidos são uma coisa
boa. Mas podem acabar criando uma demanda colateral ? pessoas que antes não
pegavam um trem, porque levava duas horas para chegar ao destino, por exemplo,
agora escolhem esse transporte, que passou a levar pouco mais de uma hora. Essa
mudança cria um contingente ainda maior de pessoas circulando no trajeto entre
centro e periferia, e intensifica essa bipolaridade. Isso é tapar o sol com a
peneira, não resolve os problemas urbanísticos de fato.

O que resolveria?

Ao invés de velocidade, a prioridade deve ser criar
condições para que as pessoas possam trabalhar muito mais perto de onde moram.
Para isso, temos que compreender as periferias não de maneira negativa, mas como
áreas com potencialidades a serem exploradas. Só assim conseguiremos atingir um
nível de justiça social.

Como funcionaria esse processo?

As centriferias, como chamo, se baseiam na ideia
de que cada uma dessas cidades pode ser central, o que não significa que elas
sejam isoladas. Elas podem ser centrais, mas interdependentes. Para isso, é
preciso fazer uma nova leitura da periferia, para que essas áreas deixem de ser
tão dependentes da cidade principal da região e desenvolvam seus próprios
centros.

Parte da revitalização do Porto do Rio foi inspirada no projeto do
Porto Madero, em Buenos Aires. Como o senhor avalia a nova Zona Portuária
carioca?

A referência argentina foi um grande acerto, pois levou em conta as
especificidades de um país tropical, com características que se adequam às
brasileiras. Acabar com grandes viadutos também foi uma ótima medida. Apesar
disso, temos que entender que, se você está disposto a acabar com grandes vias,
tem que estar disposto a sacrificar a velocidade dos carros. Porque, no momento
em que só há um nível de passagem para carros e pedestres, é preciso proteger o
pedestre. E faltou esse planejamento para o transporte do pedestre do Porto do
Rio para outras áreas. É preciso proteger a baixa velocidade, a relação das
pessoas com o espaço público. É preciso fazer uma reforma que reative o nível de
consciência sobre o que é habitar uma cidade.

O que mais chamou a atenção do senhor na cidade?

A Baía de Guanabara, tão incrível e tão poluída. O Rio tem um espelho no
meio, é uma das únicas cidades do mundo que consegue enxergar seu reflexo. Pena
que não sabe aproveitar esse potencial.