Cascavel – Característica bem marcante do brasileiro é rir de tudo e ser muito criativo nas postagens nas redes sociais, não importa a gravidade ou seriedade do assunto. Com a Instrução Normativa número 2.219/2024 da Receita Federal que entrou em vigou junto com o ano novo, não foi diferente.
A medida visa ampliar o monitoramento de operações financeiras pelo ‘leão’ e com o anúncio, as redes sociais ficaram cheias de ‘memes’ fazendo alusão à fiscalização e aos comerciantes que, somente aceitariam pagamento em dinheiro, com plaquinhas divertidas avisando que não recebem mais Pix, cartões de crédito ou débito. Da diversão do mundo virtual à realidade do mercado não demorou muito e já observamos os diálogos frente aos caixas do comércio local. “Vocês ainda vão aceitar pagamento em cartão de crédito?” – questionou a cliente na padaria da esquina. Já na loja de utilidades domésticas na Avenida Brasil, foi a operadora quem alertou: “Se antes vocês compravam aqui sem nota fiscal, agora não podemos mais deixar de emitir em compras com pagamento via Pix”.
Assim, o dinheiro em espécie que andava sumido das gavetas dos caixas, pode voltar a circular novamente? A reportagem do jornal O Paraná conversou com especialistas para entender a medida do fisco.
“Nossa tendência, quando o governo ‘aperta’ de um lado a sociedade busca outros mecanismos. Pode ser que volte sim a utilização de papel moeda – apesar que vai ser um pouco difícil o povo deixar de usar o Pix, principalmente para quem está recebendo, porque o risco de você deixar de fazer uma venda porque a pessoa não tem dinheiro em espécie para pagar vai ser grande. Eu acho mais natural que os emergentes comecem a tributar as entradas dos recursos que outrora eram recebidos de forma informal. Porque o consumidor, quem está pagando a contratação de serviço, dificilmente vai andar com dinheiro no bolso, né? Então o comerciante que vai ter que se adequar” – analisa o contador Rafael de Lorenzo, que tem escritório em Cascavel.
A medida
A Receita Federal anunciou uma nova estratégia para intensificar a fiscalização sobre transações financeiras a partir de 2025. Esta medida tem como principal objetivo identificar irregularidades, como a sonegação fiscal, e permitirá que a Receita tenha acesso a todas as transações financeiras dos últimos 12 meses de pessoas físicas e empresas. O critério para essa fiscalização será a movimentação de mais de R$ 5.000 para pessoas físicas e R$ 15.000 para empresas em qualquer mês do ano. Ao atingir esse limite em um único mês, todas as movimentações do ano serão transmitidas à Receita, independentemente do tipo de conta utilizada.
Anteriormente, a obrigação de repassar dados à Receita Federal era restrita a bancos públicos e privados. Com a nova regra, a exigência se estenderá a operadoras de cartão de crédito, instituições de pagamento, grandes varejistas, bancos virtuais e carteiras digitais. Essas mudanças, que foram anunciadas em setembro do ano passado, têm como objetivo facilitar a identificação de irregularidades fiscais. Cavalcante alerta que pessoas e empresas que não declararem valores acima dos limites estabelecidos poderão enfrentar problemas com o fisco, especialmente se houver informalidade nos valores movimentados.
Os dados coletados serão enviados semestralmente, até agosto e fevereiro de cada ano. As informações serão repassadas por meio de uma declaração emitida na plataforma e-Financeira, que faz parte do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). Os primeiros dados deverão ser reportados em agosto deste ano, levando em conta as movimentações financeiras realizadas no primeiro semestre. O prazo para o segundo semestre será fevereiro do próximo ano.
Mais impostos?
Apesar das preocupações, a Receita Federal afirma que o novo regulamento não resultará em aumento de impostos. No entanto, há especulações de que a reforma tributária e as novas regras possam levar a um aumento na tributação a partir de 2026.
“No primeiro momento, acho que não haverá novos tributos. Por essa instrução normativa da regulamentação do Pix, taxações diretas não vão vir”, analisa Rafael de Lorenzo.
Além disso, o cidadão brasileiro poderá perder parte de seu sigilo bancário, já que a Receita terá acesso ao volume das transações, mas não aos destinatários ou remetentes.
“O que vai ocorrer, sim, é o maior cruzamento de dados por parte da Receita Federal, frente às informações fornecidas pelos bancos e pelas financeiras. Os bancos são obrigados agora a informar essas movimentações de Pix para a Receita Federal, que automaticamente vai fazer um cruzamento de dados com as declarações de imposto de renda das pessoas ou naqueles que não o fazem, poderá, sim, haver notificações e intimações aos contribuintes, as pessoas físicas e jurídicas”, reitera Lorenzo.
Como evitar problemas?
Perguntamos ao contador Rafael de Lorenzo de que forma que os comerciantes e consumidores podem se organizar para evitar problemas com o ‘leão’ – e para ele a resposta é simples: manter a movimentação bancária pautada em operações tributadas. E ele explica: “São operações de vendas com nota fiscal e prestação de serviço com a devida emissão de recibos, e o pagamento dos impostos, o que é mais importante. Então o conselho que a gente dá para os comerciantes e consumidores, infelizmente, ou felizmente, vamos dizer assim, é que a movimentação bancária seja oriunda de operações quentes, de operações que realmente têm um lastro de origem para justificar essa movimentação financeira, porque caso contrário, a Receita Federal poderá justamente fazer esse cruzamento de dados da movimentação atípica ou desproporcional às suas emissões de notas fiscais”.
Juarez Paim, advogado e diretor da Macrorregional de Cascavel do SESCAP/PR avalia que buscar ajuda profissional pode representar segurança nos negócios.
“Ter um assessoramento especializado garante que as movimentações estejam revestidas de efetividade é essencial para controle fiscal e gerencial. Efetividade significa ter como comprovar através de documentos válidos operações realizadas sob pena de incorrer em infrações fiscais, pois é fato que o fisco está cada vez mais apto para acompanhar os contribuintes e com isso arrecadar tributos”, orienta Paim.
Mais vulneráveis
A Associação Nacional dos Profissionais da Contabilidade (Asscon) informou que vê as novas regras de controle social e financeiro com preocupação, já que os principais afetados são as pessoas mais vulneráveis. “Enquanto isso, movimentações atípicas e milionárias nunca foram efetivamente combatidas, apesar das alegações da Receita Federal de que fiscaliza essas situações”, destaca em nota.
De toda forma, a entidade aponta vantagens e desvantagens destacadas a partir dessa medida. Em relação aos pontos positivos, a Asscon considera, por exemplo, maior transparência, já que há uma centralização das informações financeiras no sistema de controle. Além disso, é uma forma de combater a evasão fiscal.
No entanto, a associação aponta que as novas regras promovem aumento da burocracia para algumas entidades, assim como a obrigatoriedade de prestar informações e custos adicionais. Outra desvantagem está relacionada à privacidade do contribuinte, já que mais informações serão compartilhadas com a Receita Federal. “A população está preocupada com a possibilidade de ser vigiada e com o risco de cair na malha fina, especialmente se fizerem Pix em pequenas partes”, afirma.
Violação de sigilo?
Na última quinta-feira (9) o deputado federal Gilson Marques (Novo-SC) apresentou um projeto de decreto de legislativo para barrar a medida, com o argumento de que ela infringe os princípios constitucionais da legalidade e viola o direito ao sigilo bancário e à privacidade. Durante entrevista à Revista Oeste, o parlamentar afirmou que a Receita Federal quer “arrancar à força o dinheiro alheiro” através da medida.
O projeto precisa de maioria simples no plenário da Câmara e no Senado para ter aprovação e sua tramitação começará assim que o recesso parlamentar acabar.
Entenda
Para uma melhor compreensão, imaginemos uma pessoa que realiza uma transferência de sua conta para um terceiro, via Pix. Nessa transação, não se identifica, na e-Financeira, para quem ou a que título esse valor individual foi enviado. Então, ao final de um mês, todos os valores que saíram da conta são somados, inclusive saques.
Caso o total ultrapasse o limite de R$ 5 mil para uma pessoa física, ou de R$ 15 mil para uma pessoa jurídica, a instituição financeira prestará essa informação à Receita Federal.
Receita Federal alerta
Cuidado com o “Golpe da Cobrança de Taxa sobre PIX”
A Receita Federal emitiu alerta à população sobre uma nova tentativa de golpe que está circulando e utilizando o nome da instituição para dar credibilidade à fraude. Criminosos estão aproveitando a onda de fake news relacionadas à fiscalização da Receita Federal sobre transações financeiras para enganar cidadãos e aplicar golpes.
Os golpistas informam às possíveis vítimas que há uma suposta cobrança de taxas pela Receita Federal sobre transações via PIX em valores acima de R$ 5 mil. Eles alegam ainda que, caso o pagamento não seja feito, o CPF do contribuinte será bloqueado. Para tornar a fraude mais convincente, utilizam o nome, as cores e os símbolos oficiais da Receita Federal.