RIO – Dois anos depois de ver sua delação premiada dar origem à primeira lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e levar à abertura de inquérito contra 54 políticos no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa vive uma rotina tranquila em Petrópolis, na Região Serrana do Rio. Sem ser reconhecido, Paulo Roberto agora bate ponto uma vez por semana em uma escola particular do município para cumprir a pena de serviços comunitários. Desde fevereiro, acompanha durante quatro horas as aulas e também auxilia alunos do ensino médio com dúvidas sobre Matemática, Física, História e Geografia. (Clique aqui e receba as newsletters do GLOBO)
O nome da escola ele guarda a sete chaves. Quer manter a rotina de idas ao colégio sem chamar a atenção, como tem sido até agora, pelos três anos em que fará o serviço comunitário. A medida foi estabelecida pela Justiça Federal de Petrópolis, cidade em que ele mora, após determinação vinda da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde correm os processos contra o ex-diretor da Petrobras. As atividades do primeiro delator da Lava-Jato na escola foram definidas junto ao diretor. Além de ajudar os alunos com algumas matérias, Paulo Roberto vai abrir uma série de palestras sobre profissões. Vai explicar as áreas da Engenharia. Nas aulas, já falou sobre o pré-sal.
? Também vou preparar um programa, obviamente em modelo reduzido, e montar com os alunos um projeto de energia eólica, um catavento, para eles verem como se gera energia elétrica. Vamos montar também um projeto de energia solar, para ver como é gerada. Vou fazer um trabalho nessa área de pesquisa com os alunos ? afirmou o ex-diretor ao GLOBO.
MUDANÇAS DE VISUAL
No colégio, o delator não é o único a prestar serviços comunitários. Um colega ensina os adolescentes a tocar violão. A cada seis meses, tanto Paulo Roberto quanto a escola têm que apresentar um relatório à Justiça. O ex-diretor disse acreditar que os alunos não o reconhecem e afirmou que nunca ninguém no colégio lhe perguntou sobre a Lava-Jato. A curiosidade dos alunos fica por conta da Engenharia. Prestes a fazerem vestibular, muitos alunos querem tirar dúvidas sobre a profissão. Mas, se algum dia algum estudante vier a indagá-lo sobre os crimes do passado, Paulo Roberto diz já saber como responder:
? Estou pagando uma pena e estou no colégio por determinação judicial, para ajudar. Estou lá para colaborar com conhecimento que tenho na área.
Desde que foi descoberto na Lava-Jato, Paulo Roberto tem mudado com frequência de visual para evitar ser reconhecido. Já adotou barba, depois bigode, raspou o cabelo e já deixou os fios crescerem novamente. Usa boné e óculos escuros, para não chamar atenção.
O ex-diretor foi preso temporariamente (por cinco dias) em março de 2014, três dias depois de ser deflagrada a Operação Lava-Jato. Ele já havia prestado depoimento sobre seu envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, mas a Polícia Federal informou à Justiça que ele havia tentado destruir provas e obstruir as investigações, pois suas filhas e genros haviam sido flagrados retirando documentos do escritório da Paulo Roberto Global, empresa de consultoria que ele usava para firmar falsos contratos e continuar recebendo propina mesmo depois de ter deixado o cargo.
Paulo Roberto passou dois meses preso e foi libertado no dia 19 de maio daquele ano. Menos de um mês depois, em 11 de junho de 2014, ele teve a prisão preventiva decretada depois que foram localizadas contas em nome dele e de parentes, na Suíça e no Canadá, com US$ 23 milhões. No total, Paulo Roberto passou cerca de cinco meses presos.
O acordo de delação premiada do ex-diretor da Petrobras foi homologado pelo STF no dia 30 de setembro de 2014, e ele foi libertado no dia seguinte, quando passou a cumprir prisão domiciliar por um ano, com tornozeleira eletrônica. Na delação, confessou ter sido indicado para o cargo pelo PP, em troca de arrecadar propina para o partido. A Diretoria de Abastecimento, comandada por ele, era a responsável por grandes volumes de investimentos da petrolífera, como o da Refinaria Abreu e Lima, em Recife (PE).
Em outubro de 2015, Paulo Roberto progrediu para o regime semiaberto, ainda com uso da tornozeleira e obrigatoriedade de permanecer em casa à noite e nos fins de semana. Desde então, já podia trabalhar e viajar, desde que autorizado pela Justiça. Em novembro do ano passado, a tornozeleira foi retirada, e o juiz Sérgio Moro determinou que o delator cumprisse os serviços comunitários.
FATOS QUE COMEÇARAM LÁ ATRÁS
Agora, além da atividade instituída pela Justiça Federal, Paulo Roberto quer voltar a trabalhar com consultorias e se dedicar a um livro que está escrevendo. Nele, vai contar bastidores da prisão em Curitiba e de sua visão da Lava-Jato. Já foram 210 depoimentos prestados sobre o escândalo.
Hoje, ao ler sobre a segunda lista de Janot, baseada nas delações de executivos da Odebrecht que deram origem a outros 83 inquéritos contra políticos no STF, Paulo Roberto diz não se surpreender.
? É uma sequência de fatos que começaram lá atrás. Tem depoimento meu na CPI, para o Ministério Público Federal, dizendo lá atrás que o acontecia na Petrobras ocorria no Brasil inteiro, nos portos, aeroportos, hidrelétricas, usina nuclear, rodovias, ferrovias ? declarou o delator responsável pelas informações que levaram à primeira lista do procurador-geral da República.