Cotidiano

Gilmar Mendes mantém validade de grampos com mais de 30 dias

65598914_PA São Paulo SP 06-03-2017 O O Ministro Gilmar Mendes da aula de .jpgBRASÍLIA – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou dois recursos que tentavam invalidar investigações baseadas em escutas telefônicas com mais de 30 dias de duração. A questão foi levantada em uma ação que discute exatamente se os grampos devem se limitar a no máximo um mês, ou se podem se estender por mais tempo. O objetivo da defesa dos recorrentes era alcançar o mesmo que conseguiram alguns bicheiros do Rio de Janeiro no ano passado: paralisar as ações penais nas quais são réus na Justiça comum até que o STF tome uma decisão definitiva sobre a validade das interceptações telefônicas.

O caso em discussão no STF trata da Operação Pôr do Sol, que investigou o Grupo Sundown por operações fraudulentas de importação e sonegação. Em 2008, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou dois anos de interceptação telefônica. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao STF e o caso ganhou repercussão geral, ou seja, o que for decidido deverá ser replicado por outros tribunais e juízes.

As duas decisões de Gilmar são de 2 de março deste ano e dizem respeito a outras investigações: uma em curso na Justiça Federal de Paranavaí, no Paraná, e outro na Justiça do Distrito Federal. Ambas podem prosseguir por enquanto. Gilmar adotou postura diferente da tomada em outubro do ano passado pelo colega de tribunal Marco Aurélio Mello. Na época, ele suspendeu o julgamento de bicheiros do Rio de Janeiro até que a questão do Grupo Sundown fosse definitivamente resolvida pelo STF, o que não ocorreu até agora.

Nos dois casos que levaram às decisões de Gilmar Mendes, os advogados citaram o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março de 2015. O texto estabelece que, “reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

Gilmar Mendes entendeu que os dois recorrentes – Roger de Souza Kawano e Lupérsio Leite Magalhães Júnior – podem se manifestar no caso em julgamento no STF, mas negou suspender as ações penais em que são réus. Na decisão no recurso de Lupérsio, o ministro argumentou que o caso do Grupo Sundown teve repercussão geral quando ainda estava em vigência o Código de Processo Civil anterior.

“Daquela feita, não foi determinada a suspensão de outros processos envolvendo idêntica questão. Nem seria o caso de fazê-lo, tendo em vista que a jurisprudência da Corte admite as sucessivas prorrogações de prazo das interceptações de telecomunicações”, escreveu Gilmar Mendes, citando em seguida três casos já julgados no STF em que foi mantida a validade de escutas superiores a 30 dias.

Em outubro do ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello deu uma liminar suspendendo o julgamento de bicheiros do Rio que já tinham sido condenados na primeira instância. Eles estavam prestes a ser julgados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Se condenados novamente, já poderiam ser presos. Os grampos integram a Operação Furacão e se estenderam entre 2006 e 2007.

A Furacão permitiu desbaratar uma organização criminosa acusada de crimes como corrupção de agentes públicos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e contrabando. Para viabilizar suas atividades, a quadrilha corrompia integrantes do Judiciário, incluindo até um ex-ministro do STJ, suspeitos de vender decisões. Justamente por envolver um ministro do STJ, que já deixou o cargo em razão da operação, a prorrogação das escutas da Furacão foram autorizadas na época pelo próprio STF.

Um dos recursos em que houve decisão de Gilmar Mendes agora foi apresentado por Roger de Souza Kawano em 31 de janeiro deste ano. Ele está preso preventivamente em razão de uma decisão da Vara Federal de Paranavaí já foi denunciado pelos crimes de organização criminosa e descaminho. Os advogados de Kawano alegam que os grampos foram prorrogados 53 vezes ao longo de dois anos e oito meses.

Segundo a defesa, as medidas estendendo a duração das escutas “ressentem-se de qualquer fundamentação quanto à imprescindibilidade de prorrogação da quebra de sigilo. Há, tão somente, menção repetida à necessidade da interceptação inaugural”. Também sustenta que acusação contra Kawano “ampara-se unicamente nos diálogos telefônicos interceptados ao longo de anos”. Diz ainda que chegou a pedir a nulidade dessa prova na Justiça Federal, mas sem sucesso.

A defesa de Lupérsio Leite Magalhães Júnior, por sua vez, recorreu em 24 de fevereiro de 2017. Ele já tinha recorrido na Justiça do Distrito Federal, mas o juiz Evandro Neiva de Amorim rejeitou paralisar a ação penal por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Lupércio é investigado por supostamente participar de um grupo que explorava o jogo do bicho

Em sua decisão, o juiz do DF disse ter consultado o site do STF e observado que não havia ainda qualquer determinação para suspender processos baseados em escutas com mais de 30 dias de duração. “Diante desse fatos, não vejo razões para suspender a marcha deste processo, tampouco suspender a utilização de elementos de prova legalmente carreados para os autos”, escreveu o juiz em decisão tomada no dia 3 de março de 2017.

Quem é contrário aos grampos autorizados por tempo indefinido costuma citar uma lei de 1996, segundo a qual a interceptação pode durar 15 dias, prorrogáveis por mais 15. Mas uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2008, e decisões da própria Justiça, inclusive do STF, permitiram escutas por mais tempo.

Curiosamente, as escutas do Grupo Sundown – e cuja validade ou anulação terá repercussão em todo o Judiciário – foram autorizadas inicialmente pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável hoje pela Operação Lava-Jato.