RIO ? Nas estantes de livrarias, ao lado de autores nacionais e estrangeiros consagrados, capas de lançamentos recentes podem trazer um nome conhecido na vizinhança. Artistas, psicólogos e empresários da região têm reunido inspiração, coragem e oportunidade para publicar textos literários. Enquanto alguns títulos permaneceram anos na gaveta, outros foram impressos quase tão rapidamente quanto as ideias ocorreram aos autores. Nas obras, os leitores podem ser convidados a passear por paisagens próximas ou distantes; embarcar em aventuras históricas ou crônicas do cotidiano.
A bailarina e atriz gaúcha Ana Guasque viajou no espaço, no tempo e na literatura, arte que até então não havia explorado, para reconstruir a vida de Victória Carvalho D?Avila Chiapetta, protagonista do romance histórico ?Victória, uma saga italiana no interior do Rio Grande?. A personagem sempre encantou Ana, pela atuação social nos séculos XIX e XX e pela ligação sanguínea com ela: a autora é bisneta da personagem a quem deu voz. A obra foi o modo que ela encontrou de registrar a fundação do município de Chiapetta, no Rio Grande do Sul.
O livro tem como fio condutor a imigração para a região, e a história dos três irmãos italianos Chiapetta lhe dá a diretriz. A obra reconstrói o cenário local de 1883 a 1947, o que exigiu trabalho de pesquisa intenso, com leituras acadêmicas e entrevistas com moradores antigos. Ana partiu do que ouvia a avó contar sobre Victória, na infância.
? Eu não fiz o livro como algo familiar. Peguei o artístico. Cresci com a história dessa mulher e dos imigrantes italianos que chegaram com a roupa do corpo, ficaram alojados em lonas e trabalharam na estrada de ferro ? diz Ana.
O planejamento da obra teve início em 2010, quando Ana conversou sobre a ideia com a atriz Rosi Campos, que viria a assinar a orelha do livro. Primeiro, ela tentou obter apoio financeiro por meio da Lei Rouanet. Sem sucesso, apresentou a proposta para empresas e recebeu mais nãos do que elogios. O projeto foi finalmente aprovado, em 2012, no edital do Pró-Cultural RS FAC, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, e a verba, liberada no ano seguinte. A produção durou dois anos, e houve dias em que a autora trabalhava até 20 horas. Caminhadas por pontos tranquilos da Barra, onde mora há quase três anos, eram sua forma de espairecer.
? Peguei o que a minha avó falava, pesquisei e botei no livro. Montei um quebra-cabeça com fatos políticos e sociais daquela época. Se surgia uma questão polêmica, como a escravidão ou o papel da mulher, eu não fugia dela. A Victória me inspirou. Era uma figura que quebrava paradigmas. Quando surgiu o desquite, ela se desquitou, no interior do Rio Grande do Sul, e com 16 filhos ? conta Ana.
?Victória? foi lançado em novembro, na 61ª Feira do Livro de Porto Alegre, com um número de dança, ao som de uma acordeonista, e leitura de trechos por Rosi Campos, fórmula que vem sendo mantida nos eventos de divulgação da obra. Ana Guasque destaca a receptividade:
? A população local se sentiu integrada e valorizada por sua história ser contada. As pessoas escrevem me agradecendo por levar o nome da cidade para outros lugares do Brasil.
Na Barra, o leitor também pode encontrar nas livrarias uma história que se passa pertinho da sua casa. É possível que os enredos sejam de outra Ana, a psicóloga e escritora de sobrenome Ferrarezzi, moradora do bairro que em novembro do ano passado lançou seu primeiro livro, ?O velho vestido de noiva?. De lá para cá, ela publicou outros dois volumes, e, em julho, chega ao mercado ?Entre o sol e a lua?, o primeiro volume de uma trilogia.
Ana começou a escrever há dez anos, mas em 2015 se sentiu confortável para lançar seu primeiro livro. ?O velho vestido de noiva? conta a história de Amélia, uma moradora do Recreio que, depois de dedicar uma vida ao marido, é surpreendida com a separação. Ela decide reformar seu vestido de noiva e sua vida. No processo, conhece Fábio, um famoso chef de cozinha que tem um bistrô, também no Recreio, e se envolve com ele.
? Apesar de ser um tema pesado, eu procuro escrever com leveza, fazendo um paralelo entre a reforma do vestido de noiva e a vida de Amélia. Eu gosto de fazer livros que estimulem as pessoas a pensarem junto comigo, que levem à reflexão ? afirma a autora.
Em março deste ano, Ana lançou ?Alma gêmea?; e, em abril, o livro de contos ?Imprevisibilidade?. No dia 16 de julho, autografará ?Entre o sol e a lua?, na Livraria Cultura do Fashion Mall. Em comum, os três têm relação com temas folclóricos, lendários e mitológicos, paixões da autora.
? A gente lê e adora séries de autores internacionais consagrados, que escrevem sobre esses temas. Por que não fazer isso com o nosso folclore? No último livro, conto a história de Cauã, que representa Guaraci, o deus sol na mitologia guarani; e Joana, que representa Jaci, a lua. Eles se separam há 500 anos e hoje, com nomes e representações físicas diferentes, tentam se reencontrar ? explica Ana, acrescentando que a obra terá duas continuações e que parte do enredo se passará na Barra.
IMAGINAÇÃO SEM FRONTEIRAS
Interpretar mitos a partir de novo ponto de vista não é simples, principalmente para quem está estreando na iteratura. O empresário e estudante de Relações Internacionais Antonio Marcos Correia encarou o desafio em seu primeiro livro, ?Misterius in versus?, no qual sugere que o túmulo de Maria Madalena, personagem bíblica, estaria em Portugal. A teoria é conduzida por uma interpretação diferente de ?Os Lusíadas?, de Luís Vaz de Camões, material suficientemente rico de detalhes e mistérios, garante Correia:
? Camões era uma pessoa esclarecida, com uma visão mais crítica da realidade. E deixa transparecer isso no livro dele, por meio de metáforas, por exemplo. O que possibilita que se faça um paralelo com Leonardo da Vinci, que muitos consideram ter deixado pistas em suas obras.
Correia, morador de Jacarepaguá, é filho de portugueses e desde a infância tem interesse por História, principalmente as de Brasil e Portugal, além de curiosidade acerca da Ordem dos Templários. Em 2008, os primeiros esboços da narrativa condensavam essas paixões e traziam como inspiração o estilo do ídolo americano Dan Brown, impresso nos capítulos curtos e nas deixas que aguçam a curiosidade para o que vem a seguir.
? A base do livro está na Ordem dos Templários. São várias as teorias que relacionam sua herança a França e Inglaterra. Mas eles não foram caçados em Portugal, e acho que estão muito mais ligados ao país. Fiz um livro de ficção demonstrando que talvez essa seja uma herança ibérica. Eu queria uma ficção baseada em fatos históricos, por isso usei dados que vemos nos livros acadêmicos ? conta Correia.
O protagonista de ?Misterius in versus?, Eduardo, é um bibliotecário que se lança numa caçada a pistas do túmulo de Maria Madalena ao ser chantageado por uma sociedade secreta. A trama percorre monumentos e bairros históricos no Rio e em Portugal. A oportunidade de estrear na literatura também veio de além-mar. A publicação foi pela editora portuguesa Chiado, em outubro. O lançamento, há pouco mais de um mês, já despertou a curiosidade de leitores portugueses e angolanos.
A jornalista Amanda Weaver também transita entre espaços, no caso, o on-line e o off-line, em seu segundo livro, ?Tente mais tarde: o mundo está ao telefone?. O apanhado de 45 crônicas, lançado esta semana, aborda o uso cada vez mais recorrente de tecnologias no cotidiano. Sem muito apego aos novos meios de comunicação, Amanda, de 23 anos, sentiu necessidade de refletir sobre o tema:
? Acho que vivemos um momento muito curioso. As pessoas já se automatizaram tanto que não param para refletir sobre o que estamos vivendo. É um momento muito delicado, com aspectos fascinantes e outros preocupantes. Tento falar desses dois pontos no livro e coloco uma dose de humor. Não quero dar um tom pesado ou de crítica.
O hábito da escrita surgiu na infância e foi aprimorada na escola, nas aulas de português e literatura. Os poemas escritos pela moradora da Barra desde os 14 anos compõem seu trabalho de estreia, ?O avesso me rouba de mim ? Poesias de vidro para refletir a alma!?, lançado no ano passado. Em paralelo, estavam o estudo de teatro e música, artes que hoje ela reúne no show que integra a sessão de autógrafos. A leitura de crônicas é intercalada com apresentação solo de voz e piano, em que ela interpreta canções autorais e releituras.
Amanda admira nomes como Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Mas, ao escrever, as referências são o americano E. E. Cummings e a cronista Martha Medeiros, que a cativaram pela linguagem simples. A jornalista diz que prefere seguir um estilo contemporâneo e próprio.
? Tanto as poesias como as crônicas partem de uma observação pessoal. A poesia vem da minha alma. Eu sempre li muito, e, passando pelo teatro, tive contato com obras específicas. Claro que incorporamos referências ? observa. ? Às vezes, me vêm estrofes prontas.
MANUAL DE AUTOCONHECIMENTO
O primeiro livro de Tatiana Presser, ?Vem transar comigo?, ainda não teve o lançamento oficial ? marcado para o dia 12, na Zona Sul ?, mas a psicóloga e sexpert (ou expert em sexo) já é um rosto conhecido na região. E nem tanto por ser moradora ou ter consultório na Barra, mas pelos bate-papos descontraídos sobre sexo que trava com plateias variadas. Os encontros, em geral, têm sido parte de eventos que marcam inaugurações de lojas e lançamentos de coleções. E o assunto rende horas de conversa com o público, predominantemente feminino, que se reúne para falar daquilo, com destaque para o desconhecimento sobre o próprio corpo.
? Percebi que havia uma lacuna muito grande na sociedade como um todo, independentemente de sexo, gênero, classe social, tudo. Não há conhecimento sobre o próprio corpo ou como ele funciona. Saí do papel de psicóloga para ensinar educação sexual ? diz Tatiana, que já teve uma coluna sobre o tema no jornal ?Extra?.
?Vem transar comigo? condensa mais de cinco anos de pesquisas sobre sexo. O livro é quase um manual, afirma Tatiana Presser. Tem um breve histórico sobre o significado do corpo e da sexualidade para diferentes sociedades ao longo dos séculos, explicações biológicas e psicológicas sobre a relação sexual e ilustrações sobre o corpo que têm o objetivo de educar e dar dicas de como inovar, a dois ou sozinho.
Os estudos sobre a sexualidade e a relação da mulher com o próprio corpo e com o parceiro começaram quando a psicóloga estagiava na Santa Casa de Misericórdia e atendia mulheres que haviam feito mastectomia ou estavam na menopausa. Ela percebeu que havia questões não discutidas, dos pontos de vista biológico, físico e social.
? Eu conheci a história da sexualidade da mulher. E aprendi muito sobre hormônios, uma área pouco vista. Até hoje, não se leva muito em consideração a qualidade de vida das mulheres que estão na menopausa. Elas não recebem atenção. E em relação ao câncer de mama, como a mulher fica depois da doença? ? indaga.
Tatiana acredita que o assunto deve ser um livro aberto. Tanto que em seu livro relata até experiências que viveu com o marido, o ator Nizo Neto, com quem é casada há 14 anos. A dupla criou um canal no YouTube e montou e protagonizou a peça ?Vem transar com a gente?. Para ela, é preciso diálogo e ação. Tatiana explica que costuma atender casais por, no máximo, dez sessões. Depois, é com eles. A sexpert revela que gosta de atender principalmente o público com mais de 55 anos.
? Elas estão entrando na menopausa, e querem resolver os problemas. Eles estão começando a usar Viagra. E elas não fingem, não têm mais esse pudor que vemos em mulheres mais novas ? conta Tatiana.
(Colaborou: Marco Stamm)