Cotidiano

Festival itinerante leva mais de 30 espetáculos brasileiros à Alemanha

RIO – Quando o diretor Marcio Abreu e a Cia. Brasileira de Teatro nomearam o seu mais recente trabalho de ?projeto brasil?, o termo ?projeto? indicava que a proposta era investigar um país de presente e futuro indefinidos, em plena transformação, e chacoalhado por turbulências sociais, políticas e econômicas. Da concepção ? em meio às manifestações de 2013 ? até a estreia, em 2015, o diretor e os atores mergulharam no escuro de um ?país desconhecido, que mudava velozmente, impossível de abarcar?, dizia Abreu. Agora, passados três anos, a complexidade da crise brasileira se acentuou, o futuro ficou mais imprevisível, e é essa impossibilidade de apreender e compreender o que acontece que estimulou cinco grandes espaços de arte da Alemanha a criar o ?Projeto Brasil?. Iniciado na última quinta-feira, trata-se de um festival itinerante que irá apresentar expoentes das artes cênicas brasileiras em cinco cidades alemãs. A premissa, herdada do projeto de Abreu, é se aproximar desse Brasil em convulsão, em que os artistas têm construído obras impregnadas de uma poética política: trabalhos engajados, mas não didáticos, que questionam clichês e apostam na complexidade.

A pré-estreia do projeto aconteceu no último dia 20, quando a coreógrafa Lia Rodrigues apresentou, em Dresden, seu novo trabalho, ?Para que o céu não caia?, inspirado no pensamento do líder ianomâmi Davi Kopenawa e em seu livro ?A queda do céu?. A obra, que estreia no Rio em agosto, se fia às catástrofes climáticas e barbáries cotidianas que ?todos os dias nos assombram?, diz Lia.

? Neste contexto, de mudanças climáticas que escurecem o futuro, o que cada um de nós pode fazer para, a seu modo, segurar o céu? ? pergunta.

A première alemã foi acompanhada de um protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O mesmo ocorreu nas encenações de ?De repente fica tudo preto de gente?, de Marcelo Evelin, e ?O jardim?, da Cia. Hiato. Até 26 de junho, o ?Projeto Brasil? leva mais de 30 criações brasileiras a cinco espaços, o Hebbel am Ufer (Berlim), o Kampnagel (Hamburgo), o Tanzhaus NRW (Düsseldorf), o Hellerau (Dresden) e o Mousonturm (Frankfurt).

? O que nos interessa e fascina é não só o potencial de resistência, mas de utopia nas artes brasileiras ? diz o diretor do Mousonturm, Matthias Pees. ? São práticas artístico-sociais que tentam criar espaços, obras e intervenções concretas para essas utopias se manifestarem. Pegamos o título da peça de Abreu para expressar nosso interesse em artistas e obras, com seus contextos políticos, sociais, históricos e atuais.

Na mostra, Pees destaca a forte presença de coletivos, trabalhos colaborativos, além de ?técnicas de ocupação e apropriação?, diz. Ação e reflexão conjugadas também chamam a atenção do diretor.

? Existe um alto risco no modo como os performers se colocam em cena, em ação, e ao mesmo tempo é alto o nível de reflexão das obras, que reúnem e contrapõem diferentes perspectivas ? diz.

Exemplos disso são a obra de Evelin, em que performers pintados de preto avançam coletivamente sobre os espectadores e os tiram da comodidade, a hiperventilação corporal da performer Michelle Moura em ?Fole? e o ?beijaço? que os atores do ?projeto brasil? dão na plateia. Christiane Jatahy ressalta que o projeto ?abre um olhar para toda uma cena, e não para um artista ou outro?. Abreu diz que essa cena ?é profundamente afetada por questões do nosso tempo no Brasil, mas com reverberações universais?. E Lia destaca a diversidade de propostas estéticas e a força de resistência dos artistas, os que estão no Brasil e os que voaram à Alemanha.

? Admiro os colegas que têm criado em tempos tão adversos, que estão ativos no Ocupa Minc e contra esse governo. Vivemos tempos assustadores, tristes. Criar requer uma inclinação à esperança.