BRASÍLIA ? Por mais de uma hora, em discurso para um plenário atento, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), passeou pela Revolução Francesa, pela Operação Mãos Limpas na Itália, citou o fechamento do Supremo Tribunal Federal durante a ditadura militar, recorreu aos pensadores Norberto Bobbio e Montesquieu, ao cronista Rubem Braga e a figuras menos lustradas da política brasileira para desfiar seu inconformismo com os rumos das investigações da Operação Lava-jato que, segundo ele, o jogaram no meio de inquéritos ?sem um fiapo sequer de provas?. Alvo de oito inquéritos, Renan diz que os alagoanos podem ter certeza que jamais vão conseguir provar nada contra ele, porque nunca cometeu nenhum crime.
Na longa fala exaltada em que atacou a uso político da Polícia Federal, a ?histeria investigativa? e os vazamentos seletivos ?estimulados? pelo procurador-geral Rodrigo Janot, Renan disse ser vítima de uma situação vexatória porque a imprensa insiste em martelar contra ele ?prejulgamentos preconceituosos?. E depois de muitas críticas à violação do estado democrático de direito, finalizou defendendo ? sem citar o projeto que criminaliza abuso de autoridade ? que o Senado se abra para o debate de ?matérias conexas? ao fim do foro privilegiado.
Sem citar o projeto de sua autoria, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concluiu que o alvo de Renan, depois de muita volta, era mesmo defender o projeto de abuso de autoridade, que foi retomado hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Renan disse que tentou, sem sucesso, em 2013, votar o projeto do senador Álvaro Dias (PV-PR) que acaba com o foro privilegiado, mas ?de maneira casuística? os jornais que hoje defendem o fim do foro especial fizeram editoriais dizendo que aquilo era um esforço que estava fazendo para ampliar as instâncias recursivas do mensalão.
? O mesmo argumento que levou esta Casa a não votar o fim do foro em junho de 2013 está sendo usado hoje para dizer que o Senado Federal quer se beneficiar do foro especial, como a passar para a sociedade a ideia de que ser julgado pelo Supremo é ser julgado para a impunidade. Não é. Então, façamos o debate. Vamos trazer para aqui todos para que a gente possa discutir. Simultaneamente vamos também poder discutir os temas conexos que, juntamente com esse tema, tramitam aqui no Senado Federal. Acho que esta Casa, mais do que nunca, tem de se abrir ao debate, tem de trazer todos aqui, como fizemos com o Juiz Sérgio Moro, para que possam, desta tribuna, externar seus pontos de vista, trazer seus argumentos para construir com um Brasil melhor ? defendeu Renan.
Renan começou sua fala homenageando o novo ministro do STF, Alexandre Moraes, que ele prevê, terá uma atuação histórica na Corte. E disse que faria uma comunicação ao País para repor inverdades que existem hoje no STF a seu respeito, em função de delações premiadas. Ao reclamar muito das prisões preventivas de delatores, citou o caso de um preso da Lava-jato que ao final foi inocentado, mas estaria com a vida destruída e nunca se livraria do estigma de ex-preso.
? Isso é o resultado da histeria investigativa e inquéritos que não terminam nunca, resultado da generalização, de medir todos pela mesma régua, de colocar na mesma vala inocentes e bandidos. O resultado das prisões para forçar delações, determinadas por um juiz de primeira instância muitas vezes usurpando atribuições do STF ? disse Renan, completando que a Imprensa veicula informações para massificar inverdades.
Renan disse que considera a Operação Lava-jato intocável, mas ninguém está livre de críticas e que, como delatado, entende que a investigação é o único caminho para esclarecer os fatos. Reclamou dos acordos de delação premiada que acabam, segundo ele premiando os delatores. Sem citar o ex-senador Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro que grampeou conversas com ele e outros caciques do PMDB, ele citou um delator que saiu no lucro, pois usou a delação para lavar mais de R$ 700 milhões roubados.
? No acordo devolveu R$ 60 milhões e lavou R$ 700 milhões de dinheiro roubado ? disse Renan.
Por fim, ao apoiar declarações do ministro Gilmar Mendes, contra os vazamentos das investigações, disse que o Supremo não pode mais conviver com isso, tem que guardar a Constituição. E lembrou do tempo, no governo Castelo Branco, em que o STF foi fechado.
? Sinto o odor de enxofre dos tempos da ditadura ? disse.
Mas disse confiar que o STF irá separar o ?joio do trigo?, separando doações legais de propina. E disse que há um movimento para estigmatizá-lo e desacreditar o Parlamento.
? A caça as bruxas aconteceu na Revolução Francesa. As boas intenções foram enterradas pelo fanatismo alucinado de falsos pregadores ? protestou Renan.
Ao descer da tribuna, foi cumprimentado efusivamente. Mas ninguém fez apartes ou apoiou publicamente a fala. A senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) foi a única que elogiou o discurso. No discurso, disse que Renan fez ?uma brilhante exposição? sobre a defesa do estado de direito.