Cotidiano

Crítica: Iara Rennó constroi artefatos musicais a partir da poesia

RIO – Cantoras brasileiras e seus discos gêmeos/complementares ? não dá para não lembrar da Marisa Monte de ?Universo ao meu redor?/?Infinito particular? (2006) e da Nina Becker de ?Azul?/?Vermelho? (2010). Mas o que Iara Rennó propõe com ?Arco?/?Flecha? vai além. Recato às favas, Iara parte da poesia para construir os seus artefatos musicais, que saem do forno com diferentes caras (nem todas bonitas) ? algo que pode ameaçar um projeto de unidade, mas que não deixa cortar o fluxo de criatividade.

?Arco?, o disco feminino, é o mais o interessante da dupla, com sua formação instrumental enxuta e inusitada (bateria, clarone, guitarra e eventual teclado) e canções incômodas, tortas e francamente sexuais, caso exemplar sendo o de ?Mama me? (?morde meu cangote/ galopa o meu galope/ lê minha partitura/ com sua parte dura?). Mas lá ainda tem humor (?Sonâmbula?), zoeira (?Instante?), dolência (?O que me arde?) e um pouco mais de desejo ardente (?Meus vãos?) para garantir uma audição sem tédio.

O masculino ?Flecha? se move menos pelo campo da vanguarda (paulistana) que pelo das tradições africanas ? é mais simples, mas nunca simplório. Abre com um cântico (?Sabiá sabe?), fecha com outro (?Se amanhece?), e nesse ínterim se espreguiça entre o funk (?Invento?), o jazz (?Ritmo da moçada?, de Negro Leo) e a marcha (?Rosas e socos?), com espaço até para deixar baixar a inspiração de Itamar Assumpção na boa ?Arrepio? (?se eu canto no canto do seu ouvido/ sua pele é o som que eu respiro?).

Cotação: bom