Cotidiano

Criador de ?Walking dead? lança a ainda mais sombria ?Outcast?

AUSTIN, Estados Unidos ? Ainda mais intenso e assustador. É assim que o escritor e roteirista Robert Kirkman apresenta a sua mais nova série, ?Outcast?, adaptada de sua história em quadrinhos de mesmo nome. Os dez episódios da primeira temporada começam a passar nesta sexta-feira no Brasil, à 0h30m, no canal FOX1. A comparação, claro, é com o megassucesso ?The walking dead?, adaptação para a TV da HQ criada por Kirkman em 2003 e já em sua sexta temporada. Se os fãs não irão encontrar de cara personagens do quilate de Rick, Glenn, Daryl, Michonne, Carol e Maggie, os litros de sangue e os embates físicos do protagonista, Kyle Barnes, com corpos e almas aparentemente tomados por demônios fazem de ?Outcast? algo como uma versão hardcore de ?The walking dead?.

? Protesto, porque tentei criar uma narrativa completamente diferente da de ?Dead?. Também quis fazer algo distante do exorcismo tal qual visto no cinema, desde ?O exorcista? (1973). É terror, mas não há padres nem Igreja Católica. Bebi do que conheço, a igualmente rica tradição de enfrentamento do que os fiéis acreditam ser possessões demoníacas registradas nas denominações protestantes e evangélicas do Sul dos EUA, especialmente a Igreja Batista ? diz ao GLOBO, após a projeção do primeiro episódio no festival South by Soutwest, o sujeito gorducho de 37 anos, barba cerrada e todo prosa com seu ?uniforme particular?: camisa de gola listrada, calça jeans e tênis.

?Outcast? se passa em uma cidadezinha batizada de Roma, localizada nos cafundós do estado rural da Virgínia Ocidental. É centrada na história de Kyle, o ?pária? do título, vivido por Patrick Fugit. O ator é conhecido do público como o repórter adolescente da revista ?Rolling Stone?, alter ego do diretor Cameron Crowe no filme ?Quase famosos?. Kyle sofre desde criança com a sina de testemunhar seus entes mais queridos serem tomados pelo que os religiosos ao seu redor juram ser emanações do mal. A série começa com o retorno do personagem à sua casa, abandonada depois de ele ser preso, acusado de violência doméstica. Mas a aparição de outras figuras misteriosas ? como sua irmã adotiva Megan (Wrenn Schmidt) e o atormentado reverendo Anderson (Philip Glenister) ? deixará dúvidas sobre se ele agrediu mulher e filha.

Exorcismo não é como inventar histórias de zumbis. Sabia que teria de ser cuidadoso para não desrespeitar religiosos

? Exorcismo não é como inventar histórias em torno de zumbis. Sabia que teria de ser cuidadoso para não desrespeitar religiosos e especialistas, mas não me intimidei. Sou cria da América Profunda, dos rincões do Kentucky, e conheço bem o misticismo daquela região. Trabalhei a partir de elementos que estavam ao alcance de meu olhar de escritor. É ficção, é sobrenatural, mas é, creio, honesto, sincero pacas. Estou escrevendo de novo, juro, sobre meus amigos e vizinhos ? defende Kirkman.

Embora não seja um spin-off ou um prólogo como ?Fear of the walking dead? ? que é exibida no AMC e narra o apocalipse na Califórnia e no México ao mesmo tempo em que mocinhos e vilões de ?The walking dead? se enfrentam na Costa Leste ? e deixe de lado as cenas de ação, com uma câmera muito mais intimista, as nuvens negras do fim dos tempos também abundam em ?Outcast?.

Não por acaso, a palavra que Kirkman usa para traduzir a multiplicação de exorcismos retratada nos primeiros episódios da série é uma velha conhecida dos fãs de ?TWD?: epidemia. A outra é violência. O primeiro capítulo de ?Outcast? traz o ator Gabriel Bateman, 11 anos, em duas cenas chocantes: uma, logo na abertura, envolvendo baratas em uma situação tão nojenta quanto aterrorizante. A outra é em uma batalha espiritual regada a socos, pontapés e mordidas bem terrenas que opõe seu Joshua ao anti-herói Kyle.

? É para ser intenso mesmo. Queríamos ir além das imagens de exorcismo cristalizadas por Hollywood e investimos, tal qual ?Dead?, na criação de uma mitologia própria, apresentando novas explicações sobre o tema, nem sempre sobrenaturais. Vejo ?Outcast? como uma investigação, a partir de um arcabouço clássico de terror. Os detetives, claro, são o público ? diz ele.

AO VIVO PARA 61 PAÍSES

Outcast

Pistas começam a aparecer já no primeiro episódio, mas elas chegam em doses mais lentas do que em ?TWD?. Uma explicação possível é o fato de, pela primeira vez, Kirkman ter sido contratado para desenvolver a série antes mesmo de ter escrito a HQ de ?Outcast?. Quando a produção começou as filmagens na Carolina do Sul, só 18 revistas estavam completas:

? Escrevi cenas para a TV que não vão para os quadrinhos jamais, porque precisariam de determinado efeito visual ou sonoro que só faz sentido no formato audiovisual. Pela primeira vez, aliás, descobri que algumas cenas ficaram melhores na TV do que no gibi.

O escritor conta ainda que, quando viu o piloto de ?TWD?, em 2010, pensou, de imediato, ter um hit nas mãos. Era, em suas palavras, cool desde a primeira cena. Neófito no mundo da TV, não imaginou, no entanto, que o programa se tornaria um sucesso global, a série dramática mais popular da história da TV paga americana. ?TWD? foi, também, a alavanca tanto para a renovação imediata de ?Outcast? para uma segunda temporada quanto para a decisão da Fox de lançar a nova série ao vivo, via Facebook, em 61 países.

? Cresci em uma família religiosa, e pode parecer estranho, mas foi terapêutico escrever sobre exorcismo, pensar nesses personagens e ainda ganhar dinheiro com isso! O processo criativo foi o mesmo de ?Dead?: sento à mesa de jantar, olho para a minha família e penso no que de pior poderia acontecer conosco. Aí começo a escrever coisas como ?Walking dead? e ?Outcast?, que nascem de meus medos mais profundos, daquilo que poderia destruir minha vida e a de minha mulher e filhos.