Cotidiano

Corte de despesas na Justiça gera polêmica entre magistrados

RIO – Alguns dizem ser inevitável. Há quem afirme que o assunto é “nitroglicerina pura”. O fato é que a necessidade de cortes no Judiciário, devido à queda na receita do estado em crise, criou um imbróglio no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) entre desembargadores, juízes e servidores. Para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, a redução nos gastos com pagamento de pessoal teria de chegar a cerca de R$ 36 milhões anuais. Ainda não há uma decisão final, mas algumas propostas já estão nas mãos do presidente do tribunal, desembargador Luiz Fernando Carvalho, e do Órgão Especial, colegiado que delibera sobre os processos administrativos do TJ.

— Estou torcendo para que cortem o mínimo possível. Ninguém sabe o que vai acontecer. Só quero que minha quitanda fique do mesmo tamanho — afirma um desembargador.

PREOCUPAÇÃO COM MUTIRÕES

A reunião em que o Órgão Especial decidirá onde passar a faca deve acontecer no início da semana que vem. Num ofício enviado aos magistrados no começo deste mês, algumas propostas da presidência do tribunal foram apresentadas. Entre elas, segundo uma nota publicada no site da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), está o contingenciamento de 20% dos cargos da presidência, corregedoria e vice-presidências.

O que mais divide opiniões, no entanto, é uma possível redução das verbas para remunerar atividades extras, conhecidas como acumulações. Elas ocorrem quando um desembargador cobre o trabalho de um colega de férias, por exemplo, ou quando um juiz, além das atividades em sua vara, participa de mutirões dos Juizados Especiais Cíveis, de ações da Justiça Itinerante ou dos Grupos de Sentença, para agilizar processos.

Pela proposta, as acumulações dos desembargadores seriam reduzidas em 20% e as dos juízes auxiliares, em 50%. Com isso, dizia a nota da Amaerj, o número de julgamentos dos Grupos de Sentença poderia cair à metade. E possivelmente haveria uma diminuição nos mutirões dos Juizados Especiais a partir de agosto.

Dias antes, o burburinho nos corredores do TJ era de que os cortes atingiriam as gratificações do assessores dos desembargadores. Em vez de recursos para seis assessores por desembargador, passaria a haver dinheiro para quatro. As críticas à medida, segundo os magistrados, levaram o presidente do TJ a enviar um e-mail explicando que ainda não havia uma decisão.

Na terça-feira, a presidência da Amaerj não quis se manifestar sobre os possíveis cortes. Alguns magistrados concordaram sobre a necessidade de contingenciamento. Mas não chegaram a um denominador comum sobre como isso deve ocorrer.

— Sou favorável à redução das acumulações, apesar de isso cortar na minha própria carne — disse uma magistrada.

Já o desembargador Siro Darlan criticou o que chamou de “falta de transparência” do tribunal, citando a existência de 403 assessores na presidência do TJ com verbas de gabinete, além de outros 219 na corregedoria.

— Não pode cortar nesses cargos? A definição dos cortes deveria acontecer após um debate com os magistrados, o que não houve — afirmou.

Outro desembargador lembrou que, com o Fundo Especial do Judiciário, o custeio do TJ (que não inclui vencimentos) é bancado pelo próprio tribunal, com recursos das taxas judiciais, por exemplo. São os repasses do estado que pagam salários e bonificações, diz ele, afirmando que os cortes são necessários.

— Mas as funções gratificadas são pagas a funcionários que exercem funções de relevância. Temos que fazer um levantamento para saber onde se pode ter um ajustamento que represente uma economia de despesas — ponderou.

Segundo dados da Transparência Institucional do Poder Judiciário do Rio, entre janeiro e abril deste ano, os magistrados do estado receberam em seus rendimentos cerca de R$ 21,6 milhões referentes a “vantagens eventuais”, que incluem acumulações e pagamentos por substituição de cargos efetivos, entre outros.