Curitiba – A indústria do vestuário paranaense vem sendo fortemente impactada, nos últimos anos, pela entrada desenfreada de produtos importados no País. Um cenário que se agravou ainda mais com a isenção de impostos federais para compras de até US$ 50 feitas no exterior principalmente por meio de lojas online e marketplaces.
Entre 2016 e 2023, o setor de confecções – um dos que mais emprega na indústria do Paraná – apresentou queda de 8,8% no número de postos de trabalho, enquanto o segmento industrial estadual como um todo teve crescimento acumulado de 20,1% nesse indicador.
Para a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), esse encolhimento é reflexo direto da concorrência desleal que as empresas brasileiras do setor enfrentam com produtos importados. “Em média, a indústria nacional do vestuário tem uma carga tributária superior a 40%, influenciando diretamente nos preços finais das peças, enquanto os produtos importados com valor até US$ 50 estão isentos dos impostos federais”, explica Guilherme Hakme, empresário do setor, diretor da Fiep e coordenador do Conselho Temático de Assuntos Tributários da entidade.
Ele ressalta que, convertido, esse valor corresponde a aproximadamente R$ 250, que é o valor médio da grande maioria das compras do setor de vestuário no país. “Assim, a competição entre produtos nacionais e importados fica desigual e, enquanto as empresas industriais e varejistas do setor de vestuário sofrem com queda nas vendas, as importações continuam crescendo”, afirma.
Importância social
Um levantamento realizado pela Fiep mostra que esse cenário vem causando reflexos em vários indicadores do segmento no Paraná. Em 2016, o setor de confecções gerava 9,3% de todos os empregos da indústria de transformação do Estado e respondia por 13,6% do total de estabelecimentos industriais. Em 2023, o percentual de empregos caiu para 7%, enquanto o de estabelecimentos retraiu para 11%. Nesse período, enquanto o número de trabalhadores na indústria de transformação cresceu 20,1%, no setor de vestuário houve queda de 8,8%. Já na quantidade de estabelecimentos, a indústria de transformação registrou leve queda de 1,1%, enquanto no vestuário a redução foi de 19,2%.
Ainda assim, com cerca de 3,5 mil empresas, que geram 48,6 mil postos de trabalho, o setor continua sendo o segundo que mais emprega na indústria de transformação paranaense, atrás somente do setor alimentício – responsável por 32,7% dos empregos. “É importante destacar que as mulheres, muitas delas chefes de família, ocupam 70% dos empregos do setor. Então, estancar os números crescentes de demissões é também uma questão social”, diz Hakme.
Desestímulo a investimentos
Na Fiep, o impacto das importações é um tema acompanhado de perto também pelo Conselho Setorial da Indústria do Vestuário e Têxtil. A coordenadora desse comitê, Elizabete Ardigo, que é também empresária do setor e diretora da Federação, considera que o cenário atual desestimula investimentos na indústria de confecções do país. “Está se criando uma ideia de que não vale a pena abrir uma indústria no Brasil. Seria melhor ir para Paraguai ou Uruguai e vender os produtos para cá com isenção de impostos”, comenta.
Para Elizabete, o produto brasileiro, por sua qualidade e pelas questões de sustentabilidade envolvidas em sua fabricação, tem totais condições de competir com o importado, contanto que haja uma condição de igualdade tributária. “Se ambos pagassem os mesmos impostos, não resta dúvida de que o consumidor deixaria de comprar o importado para adquirir apenas o nacional”, afirma.
Ação de Inconstitucionalidade
Um dos caminhos buscados por entidades ligadas à indústria e ao comércio para tentar reverter a concorrência desleal com os importados tem sido a via judicial. Na última semana, a Fiep ingressou com um pedido de admissão como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7589, protocolada no dia 17, no Supremo Tribunal Federal (STF), pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
A ação questiona a isenção do imposto de importação para bens de pequeno valor destinados a pessoas físicas no Brasil. Para as entidades, na época da criação das leis que regulam este tema – décadas de 1980 e 1990 – o contexto socioeconômico era outro. Isso porque, sem a presença da internet, o comércio eletrônico, se existente, tinha dimensões muito menores que atualmente e não impactava a economia e a sociedade tal como se vê hoje.
Além disso, também apresenta indicadores que mostram o impacto da medida para a economia brasileira. Segundo as entidades, em 10 anos, entre 2013 e 2022, as importações de pequeno valor (até US$ 50) saltaram de US$ 800 milhões para US$ 13,1 bilhões – o equivalente a R$ 67,8 bilhões, montante que representou 4,4% do total de bens importados em 2022.
Estudo da CNI, feito com base em dados da Receita Federal e do Banco Central, revela que os prejuízos à economia brasileira apenas no ano de 2022, por conta do tratamento tributário favorecido das importações de bens de pequeno valor, são os seguintes: redução do PIB em 0,7%; perda de 466,3 mil empregos; perda de R$ 20,7 bilhões em massa salarial; e perda de R$ 6,4 bilhões em arrecadação de tributos.
Como amicus curiae, a Fiep passa a ser parte interessada na ação, contribuindo com novos argumentos e dados econômicos que mostram o impacto da medida para a indústria paranaense e brasileira. Além disso, em outubro, a diretoria da Fiep já havia levado sua preocupação sobre esse assunto ao vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, durante reunião realizada em Brasília.
Crédito: Gelson Bampi