ANÁLISE

Exportações do Paraná também estão ameaçadas, alerta Ortigara

A medida de Donald Trump sobre as tarifas dos produtos brasileiros gera reações no Paraná e impactos na economia local - Foto: Rodrigo Félix Leal/SEAL
A medida de Donald Trump sobre as tarifas dos produtos brasileiros gera reações no Paraná e impactos na economia local - Foto: Rodrigo Félix Leal/SEAL

Paraná - O anúncio feito pelo presidente americano Donald Trump, de impor uma tarifa adicional de 50% sobre os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos a partir de 1º de agosto, gerou forte reação nos bastidores da economia e da política brasileira e paranaense. A medida, ainda cercada de incertezas quanto aos detalhes práticos e alcance, foi recebida com surpresa pelo governo brasileiro. Em entrevista concedida à equipe de reportagem do Jornal O Paraná, o secretário estadual da Fazenda e ex-secretário estadual da Agricultura e Abastecimento, Norberto Ortigara, comenta que a decisão tem caráter eminentemente político e não apenas comercial.

“Interpretamos basicamente como um gesto político e não meramente comercial”, avalia Ortigara. “O que está em jogo é uma medida retaliatória, bem ao estilo do presidente norte-americano, no sentido de marcar posições, confrontar contra a intenção dos BRICS, anunciada recentemente, de pouco a pouco desembarcar do dólar como moeda principal das relações internacionais”.

Segundo Ortigara, esse tipo de atitude não é inédita no histórico da política americana recente, sobretudo sob a liderança de Trump, conhecida por seu tom beligerante nas relações comerciais. Contudo, mesmo com o histórico de medidas protecionistas e de pressão por parte dos Estados Unidos, a surpresa no governo brasileiro se justifica pelo teor agressivo e abrangente da decisão.

“Alguns até refutam isso como uma medida tresloucada, fora de padrão, sem precedentes. Porque o mundo vem, desde o Acordo de Marrakech, lá nos primórdios do GATT, depois com a criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), numa linha de maior liberdade comercial, menos tarifa, mais eficiência, mais capacidade competitiva. E tudo isso é regulado”, lembra Ortigara.

Impacto da tarifa

O impacto da nova tarifa, caso realmente se confirme nos moldes anunciados, tende a ser pesado sobre diversos setores da economia, em especial aqueles que têm forte presença no mercado norte-americano. O secretário cita o agronegócio, a indústria de base e setores como o florestal, petrolífero e siderúrgico como os mais expostos aos efeitos da medida.

“Fato é que se trata de um embate político dos dois grupos radicais do Brasil, esquerda e direita. A ala direita tem a simpatia do governo americano e, em resumo, pode trazer muita complicação para a gente no Paraná e no Brasil. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de 40 bilhões de dólares por ano”.

O Paraná, destaca Ortigara, será um dos estados mais diretamente atingidos, dada a sua expressiva pauta de exportação em produtos que integram a lista passível de taxação, como a carne bovina, o setor florestal (madeira serrada, laminada, painéis, papel e celulose), o café, o açúcar, o suco de laranja e o etanol. A aviação, com forte presença da Embraer, e a indústria petrolífera também aparecem na lista dos mais vulneráveis no Brasil.

“Temos algumas cadeias que são importantes, notabilizadas pelo comércio forte de petróleo, setor siderúrgico, de aviões por meio da Embraer. Mas do ponto de vista mais geral, o setor florestal, que o Brasil é um grande fornecedor, que não tinha uma tarifa relevante e agora passa a ter 50%. Sobre a carne bovina, somos um importante supridor dos americanos”.

Golpe duro e “cacetada”

Para Ortigara, a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros é um golpe duro, uma verdadeira “cacetada”, nas palavras do próprio secretário. Trata-se, segundo ele, de um obstáculo que exigirá ainda mais eficiência, qualidade e competitividade das empresas brasileiras que desejam permanecer no mercado americano.

“Pagar um sobrepreço dessa magnitude para entrar no mercado é coisa para ser bom naquilo que faz. Óbvio que isso dificulta a relação política, a relação comercial, pode afetar emprego, fechar empresas, quebrar empresas. Tudo depende da habilidade do governo brasileiro em negociar e sentar à mesa, como sempre foi papel relevante da nossa diplomacia, mas pouco exercitado no presente”.

O secretário reforça que as consequências práticas da medida, ainda que não estejam totalmente claras, já geram preocupação no meio empresarial paranaense, sobretudo em segmentos específicos, como a piscicultura. O Paraná, grande produtor e exportador de tilápia, vê no mercado americano uma praça estratégica que poderá ser diretamente atingida.

“Por exemplo, os pescados do Paraná. A produção de tilápia que exportamos para lá é um mercado relevante e será afetado. Tudo conspira para uma relação mais azeda, mais difícil, mais complicada, o que não é bom para o comércio. Comércio que se faz com produto de qualidade, com sanidade, com tamanho de oferta, preço competitivo, distinguindo aquilo que é mais importante em cada mercado produtor”.

Diplomacia comercial

O alerta de Ortigara aponta para uma necessidade urgente de o Brasil retomar a força de sua diplomacia comercial. Ele acredita que o momento exige maturidade política e competência técnica para buscar alternativas e negociar, amenizando os impactos para a economia brasileira e, em especial, para estados com forte vocação exportadora como o Paraná.

“Queremos, de fato, estabelecer boas relações e ser parceiro comercial com todo o mundo, usar nossa capacidade de produção e torcemos para que, diplomaticamente, consigamos mitigar essa situação. No fundo, no fundo, é um jogo político e pode resultar em prejuízos econômicos sérios para a economia do Paraná e do Brasil”.

O cenário que se desenha, segundo Ortigara, é preocupante, não apenas pela medida isolada dos Estados Unidos, mas pela sinalização de uma nova escalada protecionista no comércio internacional, o que pode dificultar ainda mais as exportações brasileiras. Num contexto global em que cadeias produtivas cada vez mais integradas dependem da previsibilidade e da segurança jurídica, medidas desse tipo afetam a confiança, desorganizam mercados e geram impactos duradouros.

“Claro que ainda estamos navegando em céu fechado, pois nem tudo está claro”, resume Ortigara. “Mas a direção parece ser essa: menos facilidade comercial, mais custo, mais barreiras. Quem perde com isso é o comércio, é a economia, é o emprego, é a renda das pessoas”.

Reflexos em todas as áreas

Por fim, o secretário reforça que a imposição de tarifas não é apenas um problema para grandes empresas ou conglomerados industriais. Os reflexos chegam, invariavelmente, às pequenas e médias empresas, aos trabalhadores, às cooperativas e aos produtores rurais, que veem seus mercados se fecharem ou se tornarem mais caros e, portanto, menos viáveis economicamente.

“No campo, por exemplo, o impacto pode ser enorme. Se você perde mercado, tem que buscar outro. Mas outro mercado pode não pagar o mesmo preço, pode exigir outra adaptação, e tudo isso custa tempo, custa dinheiro, custa esforço. E quem produz precisa vender. Não é só uma questão de política, é de sobrevivência econômica”. No Paraná, onde o agronegócio representa uma fatia expressiva do Produto Interno Bruto e das exportações, medidas como essa acendem o sinal de alerta. Ortigara defende que o momento exige pragmatismo e foco na defesa dos interesses nacionais.