Cotidiano

França vive dilema entre o populismo e a realidade

O embate entre centrais sindicais e o governo socialista de François Hollande revela uma contradição bastante atual. O ciclo de riqueza iniciado no pós-Guerra, que permitiu o enriquecimento de nações e generosas políticas de bem-estar social, se esgotou, exigindo dos governos prudência, equilíbrio e sustentabilidade no uso de seus orçamentos. Como provam a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, velhas fórmulas ideológicas não dão mais conta da complexidade socioeconômica atual.

A França, país de longa tradição de luta social, tem um dos regimes trabalhistas mais generosos do Ocidente. Em 2000, aprovou a jornada de trabalho de 35 horas semanais, com o objetivo de criar empregos. O resultado, porém, foi o oposto. Na contramão do equilíbrio fiscal, a França também reduziu a idade mínima para a aposentadoria, armando uma bomba-relógio para as futuras gerações. Mas mexer em ganhos sociais, não importa o quão insustentáveis, é um tabu, esbarrando num populismo à esquerda e à direita.

A realidade e a matemática, porém, são implacável, e tanta generosidade tem seu preço. Diante da fuga de capitais, da estagnação econômica dos últimos anos e de um desemprego que se tornou estrutural, Hollande se viu obrigado a substituir a retórica socialista por medidas concretas de corte de gastos e aumento de produtividade. Tenta fazer uma reforma trabalhista por decreto, enfrentando forte resistência, inclusive de parlamentares.

As greves se sucedem abrangendo setores cruciais, como o de transporte e energia. Em todo o país os protestos crescem em intensidade e violência, e a popularidade Hollande cai na proporção inversa. Trata-se de uma iniciativa já tentada sem sucesso por governos anteriores, inclusive pelo socialista François Mitterrand. E, para muitos, a reforma do presidente francês fracassará.

Apesar disso, com os poucos ajustes feitos até agora, a economia francesa avançou 0,5% no primeiro trimestre (1,4% em relação ao mesmo período do ano passado), acima do previsto por analistas. Os investimentos empresariais cresceram 2,4%, bem acima da estimativa do mercado de 1,6%, graças em parte ao corte de impostos de ? 40 bilhões em quatro anos, além de deduções de curto prazo, que permitiram às empresas amortizar suas dívidas. O desemprego recuou e o gasto do consumidor avançou 1% no período. Mas o sistema é inviável a longo prazo.

O caso francês não é um fenômeno isolado. Na Grécia, o esquerdista Alexis Tsipras, eleito com uma retórica populista antiausteridade, preferiu manter a rota de correção da economia, e o país vai, de forma sustentável, refazendo-se de sua sua pior crise, com apoio dos parceiros da UE.

O Brasil, por sua vez, que se beneficiou enormemente da estabilização econômica, sucumbiu à ilusão populista no governo Dilma. Agora, paga mais uma vez o preço da inconsequência.