Não à toa a praia é o espaço mais democrático do Rio. Lá, convivem pessoas de
todas as etnias, todos os sexos e todas as religiões. Duas têm roubado a cena
desde o último fim de semana. As muçulmanas Doaa Elghobashy e Nada Meawad,
primeiras jogadoras de vôlei de praia a se classificar pelo Egito para uma
Olimpíada, já fizeram história na Arena de Copacabana. Apesar de terem perdido
os dois primeiros jogos, elas são a sensação da torcida brasileira nas
arquibancadas.
Ainda mais após uma foto de Doaa, usando hijab (véu islâmico), calça e camisa
de manga comprida, ter bombado nas redes sociais ao expor as diferenças
culturais em relação ao Ocidente. Na imagem, a egípcia aparece tocando a bola
por cima do bloqueio da alemã Kira Walkenhorst, vestida de biquíni, como é comum
no esporte.
? Não imaginava que houvesse tanta repercussão. A foto que ficou famosa é
prova suficiente de que a diversidade é a chave, de que o esporte une todas as
pessoas: muçulmanos, cristãos ou judeus. Esteja você vestindo biquíni ou véu ?
disse Doaa, de 19 anos.
Prova do seu respeito à diversidade foi o presente que aceitou de um carioca,
uma estatueta do Cristo Redentor, enquanto fazia compras com Nada anteontem numa
loja em Copacabana. Enquanto tiravam fotos do souvenir e procuravam um par de
chinelos típicos do Brasil, foram surpreendidas com a lembrancinha de
boas-vindas do carioca gente boa, que pediu anonimato.
O episódio foi registrado pelo blog Panorama Esportivo, do site do Globo.
Tímida, não se sentiu intimidada, mesmo quando alertada pelo repórter de que se
tratava não apenas de um cartão-postal do Rio, mas também de um símbolo do
cristianismo.
? Posso trocar por um igual ao da minha amiga Nada, que pisca no escuro? ?
perguntou Doaa, abrindo um sorriso.
Troca feita, ela ainda comprou uma mochila rosa e uma mala grande de viagem
para levar as comprinhas para o Egito. Mais extrovertida, Nada mandava áudios
pelo WhatsApp falando em árabe. Nascida no Cairo, ela é a caçula das areias na
Rio-2016, com 18 anos. A linha segue no Islamismo não exige que Nada use o
hijab.
TORCIDA BRASILEIRA OVACIONA A DUPLA
Ela apenas veste calça e blusa de mangas longas por uma regra da Federação
Internacional de Vôlei (FIVB), que determina que os parceiros de dupla devem se
vestir igual. Mas Nada usa biquínis sem problemas e não vê a hora de ter um
tempinho para dar um mergulho no mar carioca.
? Ainda não tive tempo, mas quero aproveitar para fazer isso até o fim dos
Jogos ? diz ela, ressaltando que não sente tanto calor por jogar com as
vestimentas. ? Já estou acostumada. No Egito, é ainda mais quente.
Seu livro favorito é ?Um conto de duas cidades?, escrito por Charles Dickens
em 1859. O romance é ambientado em Londres e em Paris, antes e durante a
Revolução Francesa. Ontem, uma terceira cidade revolucionou seu coração.
Ovacionada pela torcida carioca aos gritos de ?Olê, olê, olá! Nada! Nada!?, ela
?não fez a egípcia?, como diz a gíria que denota indiferença.
Pelo contrário, até vestiu uma máscara de Tutancâmon, que um gaiato na
torcida usava enquanto a bateria da Beija-Flor tocava músicas como ?Faraó
Divindade do Egito?, do Olodum, e ?Dança do Ventre (Ali Babá)?, do É o Tchan. A
cada ponto delas, os torcedores comemoravam efusivamente.
? Estamos felizes porque os brasileiros estão torcendo por nós até o fim,
mesmo quando perdemos os dois jogos. Amamos isso ? disse Nada após a derrota
para as italianas Menegatti/Gambiani.
Se tem duas derrotas em dois jogos na Rio-2016, a dupla foi precursora no
Egito ao se sagrar a primeira campeã da África, este ano, título que garantiu a
vaga olímpica inédita. Já é um feito histórico para as duas, que começaram a
jogar juntas no fim de 2015.
Até um ano e meio atrás, Doaa jogava vôlei de quadra e não sabe se continuará
na praia depois dos Jogos. Nada a ver com o véu, que usa com orgulho há dez
anos. Questionada se há preconceito, ela dá uma lição:
? Peço a todas que usam o véu, que não fiquem
preocupadas ou com medo de usá-lo, porque é muito bom e eu me sinto bem usando-o
aqui. Acho meu hijab algo bonito e tenho orgulho de usá-lo jogando ou fazendo
tudo que quiser. Estou apenas praticando minha religião e não importa como me
visto para isso.