A sociedade brasileira e as suas entidades representativas, principalmente as que compõem o setor produtivo, acompanham com preocupação as movimentações da equipe de transição, em Brasília, em torno da apreciação e possível aprovação da PEC do furo.
Articulada nos “porões” e apagar das luzes do mandato, violando as leis de responsabilidade fiscal, sem diálogo democrático com a sociedade e entidades afetadas, a “toque de caixa” por razões outras que não o interesse público, a PEC da Transição gera risco à estabilidade econômica e ao desenvolvimento social. Buscam obter um “cheque em branco”, desrespeitando a necessidade de diálogo com os brasileiros e atropelando o direito de novos congressistas decidir e fiscalizar sobre os programas e gestão orçamentária do próximo quatriênio.
Além de uma irresponsabilidade que revela descompromisso dos atuais mandatários com o futuro do País, vemos com repúdio a tentativa de impor um “tratoraço” antidemocrático, prejudicial à economia pública que gerará instabilidade econômica e social num contexto em que a boa-fé recomenda o inverso: maior responsabilidade, redução de gastos e construção dialogada com a população de um novo modelo de programas sociais com investimentos nos quais a fome seja superada, em definitivo, por meio da geração de empregos e renda digna à população carente.
Quem pagará a conta? Certamente o trabalhador, os empreendedores que fazem seu dever de casa diante do mal exemplo dos congressistas. O momento exige transparência e maior debate para corrigir esse modelo de poucos decidirem ou prejudicarem o destino de todos nós.
Há vários argumentos que precisam ser considerados e que me levam, enquanto cidadão e presidente da Acic, a ser contrário aos interesses que movimentam a capital federal neste momento. Além de elevar a já pesada carga tributária, a PEC trará desequilíbrio fiscal, uma irresponsabilidade que gera pobreza e piora consideravelmente a distribuição de renda no País.
É importante frisar que o equilíbrio fiscal é um direito fundamental porque mira o desenvolvimento econômico, condição comum entre os países nos quais os indicadores são mais justos e o bem-estar social compartilhado de forma ampla. O amparo ao mais necessitado deve acontecer sim, mas exige-se, para isso, responsabilidade planejamento e construção coletiva: governo, sociedade, empresários, setor produtivo e universidades.
Bolsas e auxílios sociais devem ser instrumentos temporários enquanto perdura a vulnerabilidade e não permanentes, sem estímulo ou horizonte emancipador, que só acontece por meio do trabalho e qualificação. O que precisa ser definitivo são as políticas de incentivo ao crescimento econômico, ao fortalecimento das empresas e à geração de emprego e renda. Precisamos estar atentos ao apagão de mão de obra que tal modelo produz. Programas sociais sem estímulo e critérios para o beneficiado superar sua necessidade e dependência do auxílio podem desestimular ainda mais algumas pessoas em buscar ocupação no mercado. E sabe-se que é o trabalho que gera liberdade econômica.
Precisamos de um amplo debate de melhoria dos programas sociais para alcançar resultados emancipatórios. Trabalho e condições apropriadas de vida garantem dignidade humana e o tão almejado crescimento com qualidade. Grandes especialistas afirmam que o trabalho, que remunera o esforço e o talento, são os maiores provedores de paz social que existem.
É fundamental lembrar que o mundo, e o Brasil, ainda se recupera da mais grave crise sanitária dos últimos cem anos e dos efeitos da guerra de quase dez meses, entre Rússia e Ucrânia, que agravam a crise econômica mundial, e suas proporções finais são desconhecidas. Por isso, os governos precisam estar vigilantes e praticar o controle fiscal para preservar a estabilidade econômica e o amparo do seu povo.
Do ponto de vista jurídico, a PEC da Transição viola o princípio da responsabilidade e do equilíbrio fiscal, como pontua a Lei Complementar 101/00. Precisamos questionar também sobre os reais interesses que movem a aprovação dessa Proposta de Emenda Constitucional de forma tão rápida e sem o necessário debate. Não há como admitir que esse projeto seja democrático se os atuais congressistas estão impondo o texto a “porta fechadas”.
Não há nenhum diálogo e respeito com a opinião da sociedade e muito menos dos parlamentares eleitos em 2 de outubro e que comporão, a partir de janeiro, o novo Congresso brasileiro. Diga-se que essa conduta, de aprovar uma PEC tão impactante, no afogadilho e sem transparência, é vedada em lei, além de demonstrar quem se preocupa com o país ou com outros interesses, que não o público.
Gostaria de apelar para a sensibilidade dos senhores congressistas, de entender que a PEC da Transição não se justifica, motivando maior debate sob pena de quem a apoiar ser responsabilizado quando a “conta” chegar. Se não agirmos com responsabilidade e serenidade, caros parlamentares, o Brasil poderá seguir em uma direção pouco favorável, capaz inclusive de comprometer seriamente o seu futuro e de deixar como herança um país cheio de problemas e desafios às novas gerações.
Genesio Pegoraro, presidente da Acic (Associação Comercial e Industrial de Cascavel)