Reportagem: Juliet Manfrin
Cidade do Leste – A decisão do governo paraguaio de dar às forças armadas o poder de polícia e transferindo oficialmente a ela o comando das ações de segurança pública intensificou a onda de protestos pela qual passa o país. Ontem (16), familiares de policiais da ativa e policiais aposentados protestaram em diversas regiões na fronteira com o Brasil contra a medida. O movimento chegou a bloquear durante 40 minutos a Ponte Internacional da Amizade pela manhã, na saída de Cidade do Leste sentido a Foz do Iguaçu.
A Associação dos Policiais do Paraguai informa que, dando esses poderes ao Exército, o país vai reingressar na ditadura militar. Além disso, a Associação e os agentes denunciam a precariedade da polícia paraguaia, como falta de profissionais e de equipamentos, condição que ficou ainda mais evidente semana passada, quando um policial foi morto durante o resgate de um preso considerado um dos líderes do Comando Vermelho, facção brasileira.
O presidente do Paraguai, Mario Benitez, afirma que, as forças armadas nas ruas, seria possível enfrentar o crime organizado, que se alastra com rapidez por todo o país vizinho, sobretudo grandes grupos criminosos brasileiros, como o PCC (Primeiro Comando da Capital) – que já teria cerca de 400 faccionados em cadeias e presídios paraguaios e que já marcam presença em 90% das unidades prisionais do Paraguai – e do CV, que fortaleceu suas ações após o resgate da semana passada, revelando seu “poder de fogo”.
“Isso deverá acirrar a disputa entre as duas coesões lá no Paraguai. Vai virar uma carnificina, porque a ação do Comando Vermelho, resgatando um de seus líderes, serviu para mostrar, sobretudo ao PCC, que tem poder para as suas ações”, afirma uma autoridade brasileira especializada em investigações de crimes transfronteiriços.
Para o agente, o líder resgatado certamente está no Brasil, muito provavelmente na região de fronteira no Mato Grosso do Sul.
Para ele, nem a presença das forças armadas nas ruas provocaria uma fuga em massa de criminosos para o Brasil.
Manifestantes pedem “cabeça” de ministro
Os manifestantes paraguaios prometem retomar o bloqueio da Ponte da Amizade a qualquer momento. Eles pedem a destituição do ministro do Interior, Juan Ernesto Villamayor, defensor da medida que dá poder policial às forças armadas.
Além desse protesto, outros marcam a rotina do país vizinho, entre eles os que pediam a saída do presidente após se tornar público um acordo de venda de energia elétrica da Itaipu. Também nessa segunda um grupo de trabalhadores sem-terra fechou o acesso à Itaipu Binacional do lado paraguaio. Houve ainda manifestações perto da aduana devido ao acirramento da fiscalização dos produtos alimentícios brasileiros que entram no país vizinho, com centenas de apreensões nos últimos meses.
Envolvimento endêmico da corrupção
O presidente paraguaio tenta combater a corrupção dentro da polícia, problema que já é endêmico, como avalia um agente brasileiro especialista em crimes transfronteiriços: “O resgate do líder do CV foi muito mais um problema interno, com envolvimento de agentes de segurança que facilitaram a ação, do que fatores externos, como falhas no esquema de segurança, e por que isso? Porque há o envolvimento de muitos agentes e isso é muito difícil de ser controlado ou de acabar de um dia para o outro”, declarou. “Com o resgate, o CV mostra que também tem agentes corrompidos, mostra seu poder na disputa por território e no domínio pelo tráfico”.
Para se ter ideia, o salário mínimo mensal no Paraguai é de US$ 369, algo próximo a R$ 1,6 mil, maior que o brasileiro. Esse é praticamente o valor que um policial paraguaio recebe por mês. “Tanto é que a chamada ‘propina’ [que em espanhol significa gorjeta] é muito comum no linguajar dos policiais paraguaios, sendo uma espécie de gorjeta para complementar seus ganhos, sustentar a família. Isso também vale para as forças armadas, por isso, mesmo com ela nas ruas, nada deverá mudar”, avalia o investigador brasileiro.
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