Opinião

Pequenas crianças, grandes responsabilidades

Hannyni Mesquita

Ao ouvirem especialistas afirmarem com propriedade que a educação infantil é a mais importante etapa do desenvolvimento de um indivíduo – mais até do que a universidade -, muitas pessoas se mostram surpresas ou incrédulas. Quem trabalha com crianças nessa faixa etária – até os 6 anos – sabe que a afirmação não é exagerada. Essa é a fase de maior desenvolvimento humano.

Durante a chamada primeiríssima infância, até 3 anos, aprende-se mais do que se aprenderá ao longo de toda a vida. Para além do discurso de educadores, são os cientistas que afirmam: nos primeiros anos, o cérebro faz mais conexões do que em qualquer outro período da vida. São de 700 a 1.000 conexões por segundo. Aos 3 anos, ele é duas vezes mais ativo que o cérebro de um adulto. Pesquisas americanas realizadas com milhares de crianças mostram que alunos que tiveram uma boa educação infantil precisam de menos reforço escolar e apresentam melhor desempenho no ensino fundamental. Em outro estudo, cientistas de Harvard já apontaram que quanto mais a criança se desenvolve na escola nessa fase da vida, maiores são as chances de ela chegar ao ensino superior e ganhar bons salários, quando adulta.

As afirmações são importantes para reforçar que o ambiente no qual a criança cresce é fundamental para garantir seu pleno desenvolvimento – e não estamos falando apenas do cenário doméstico: o ambiente escolar também é determinante. As escolas que ofertam a educação infantil têm uma enorme responsabilidade com a humanidade, por isso saber o que fazer, por que fazer e como fazer é para profissionais – e exige muita formação continuada e acompanhamento direto de pessoas capacitadas para transformar a prática em objeto de reflexão para a melhoria contínua. É necessário que os profissionais entendam que o brincar é a linguagem da criança e que consigam transformá-lo em instrumento mediador no processo didático-pedagógico. Tal recurso é ferramenta indispensável no desenvolvimento qualitativo dos aspectos cognitivo, motor, afetivo, psicológico e social, e, portanto, necessita de valorização dentro das propostas educacionais.

Apesar de a legislação brasileira considerar que a educação infantil faz parte da educação básica, o País ainda não exige formação superior dos profissionais que atuam nessa etapa de ensino (mesmo que essa seja a 15ª meta do nosso Plano Nacional de Educação). Fora isso, há escolas com um número imenso de profissionais atuando na educação infantil sem a formação adequada porque muitos ainda acreditam que, quando se trata de criança pequena, basta apenas cuidar.

Uma pesquisa realizada em seis capitais brasileiras revela que 65% dos professores que atuam nessa fase de ensino não têm qualificação específica para trabalhar com educação de crianças. O que não é levado em conta nesse atual cenário é que o próprio cuidar deve vir acompanhado de orientações e embasamentos. Sem o conhecimento necessário, o profissional recorre ao senso comum, sem conhecer o que é esperado para cada faixa etária, como aprender, ensinar e organizar tempo e espaço na educação infantil, como, efetivamente, podemos proporcionar o aprender brincando. E só para reforçar: não basta apenas formação inicial, a formação continuada precisa fazer parte da rotina do profissional.

O professor de educação infantil deve ter um coração disposto a criar vínculos afetivos, mãos habilidosas para se dedicar ao trabalho diário e uma mente disposta a aprender, sempre. Deve apresentar também um olhar que é desenvolvido por meio de orientação e formação, calibrado para perceber situações corriqueiras, transformando-as em disparadores para novas aprendizagens. Ele precisa ser paciente – a repetição faz parte do processo – ao mesmo tempo em que precisa ser criativo, procurando diferentes maneiras de mediar a aprendizagem. É na troca e na rica experiência que testamos, nos frustramos, conquistamos e crescemos. É com a atitude diária, cotidiana, muitas vezes vista como banal, que transformamos. A repetição, a permanência da regra, a mediação realizada “milhões de vezes”, essas sim, consideram a complexidade do ser humano. Devemos ser capazes de transformar o pensamento em ação e repensar a ação por meio da reflexão, sem perder o entusiasmo, a coragem de tentar o diferente e inovar. Afinal, trabalhamos com a melhor fase do ser humano.

 

Hannyni Mesquita é pedagoga, especialista em Gestão das Organizações Educacionais e Educação Bilíngue