Já dizia a velha máxima que “amigos, amigos, mas negócios à parte”, deixando clara a problemática em conciliar relacionamento com dinheiro. No entanto, quando se trata de relacionamento conjugal, a lógica prevalente é justamente unir amor aos negócios, sendo, muitas vezes, um tabu falar de pacto antenupcial ou regime de separação de bens às vésperas do enlace. Talvez porque o sustento passe a ser uma obrigação recíproca entre os amores, a complexidade da discussão financeira passa batido o máximo de tempo possível, vindo à tona, geralmente, ao momento da partilha.
Um fator importante para esse paradigma está na lógica patriarcal da exclusividade masculina aos negócios, visto que até pouco tempo a mulher era considerada relativamente incapaz, dependendo de assistência do cônjuge para as decisões financeiras. Logo, não haveria motivo de o casal discutir previamente sobre os aspectos econômicos da família. Com o empoderamento feminino, fica mais evidente a necessidade de distinguir o amor do dinheiro antes da consumação do enlace. Não à toa, pululam os contratos familiares, com o estabelecimento de namoros, trisais, pactos antenupciais que englobam aspectos financeiros, mas também imateriais, os quais estipulam maior segurança aos parceiros no curso do relacionamento, mas também no seu fim.
Deve ser levada em consideração a autonomia da vontade das partes na confecção desses instrumentos, porém em cotejo com os princípios jurídicos, em especial, a dignidade humana. Nesse sentido, recentemente, um Tribunal conferiu guarda unilateral de recém-nascido à genitora, tendo em vista que o genitor era fumante e que, além de ser evidentemente nocivo à saúde do menor, o casal havia estabelecido essa situação em acordo pré-nupcial.
É extremamente salutar que haja possibilidade de diálogo sobre os mais variados assuntos no bojo do relacionamento, a fim de estabelecer os limites aceitos por ambas as partes. Certamente, a ética e a moral deveriam ser freios suficientes aos comportamentos negativos dentro dos relacionamentos conjugais e familiares, porém o afeto é justamente um dos elementos que garante profunda complexidade aos laços familiares.
Afinal de contas, o que deveria ser fator de amor e cuidado entre as partes poder ser instrumento do abuso e manipulação, quando mal utilizado. Incontáveis os casos de abusos e violências domésticas que estão enraizados na manipulação a partir do afeto existente na vítima. Abusos esses que podem ser, inclusive, econômicos. Por isso, os Tribunais vêm dando guarida diante do que se chama de “estelionato afetivo”.
Nessa situação, o estelionatário se utiliza do afeto para a prática do ilícito, sendo que obtém vantagens econômicas de forma ilícita diante de manipulação afetiva, como o “empréstimo” de quantias da vítima para evitar o fim de um relacionamento. Ou ainda, investimentos feitos pela vítima diante de grande pressão psicológica, fundada no afeto que ela nutre pelo agressor. É possível a reparação dos danos econômicos e a imposição de pena de reclusão pela prática do crime, mas remanescem os traumas das relações em que o diálogo ficava em último lugar da lista.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas