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A difícil missão de ser goleiro da seleção brasileira no futebol de 5

A culpa é do Taffarel e do Damião. Eles foram os responsáveis por levar os dois atuais goleiros para a seleção brasileira de futebol de 5: Vinícius Holzsauer (indicado por Antônio Taffarel, ex-goleiro paralímpico) e Luan Gonçalves (amigo de Damião Ramos, que também integra a seleção). Os dois goleiros brincam que, apesar de serem bons, vão tomar gol de cegos. Isso porque no futebol de 5, os jogadores de linha não enxergam, mas são eles os craques. Resta ao goleiro, que tem visão total, conviver com as piadas e não engolir frangos. O Brasil, que estreia nos Jogos contra o Marrocos, no próximo dia 9, não perde um torneio desde 2007 e venceu todas as edições paralímpicas da modalidade desde que entrou na agenda em Atenas-2004.

Luan, de 23 anos e que também joga futsal convencional desde os 8 anos, garante que a vida de goleiro é mais difícil no futebol de 5. Explica que o limite da área, de apenas dois metros para frente, é o maior complicador além, é claro, da habilidade e do treinamento dos jogadores de linha. Ele conta que um amigo em comum entre ele e Damião o chamou para uma partida de futebol de 5 na Associação Paraibana de Cegos (APACE), em João Pessoa.

? Não tinha noção. Veio o primeiro chute e eu é que não vi a cor da bola. Esses jogadores são de outro mundo. Além de treino, são muito bons. E, na seleção brasileira, só tem craque. Os caras dominam a bola, dão caneta e até chapéu. Muita gente vai achar que eles enxergam e que estão nos enganando. Mas, não é o caso ? conta Luan, que compara o futebol de 5 ao futsal. ? Se o goleiro avançar dos dois metros, é pênalti. Ou seja, tenho de esperar vir a bomba, muitas vezes de bico. Já no futsal, posso sair, atrapalhar o atacante, fechar o ângulo, me movimentar mais. O nosso espaço de atuação no futebol de 5 é pequeno, e os jogadores chegam muito perto.

Ao contrário do que se pode imaginar, o futebol para cegos exige habilidade. O jogo é rápido e intenso (dois tempos de 25 minutos). Como no futsal, a quadra tem 40 metros de comprimento por 20 metros de largura. A bola tem um guizo para que os quatro jogadores de linha de cada equipe se orientem pelo som. Eles usam venda nos olhos para ?igualar? os que têm percepção de vultos ou de imagens aos que não têm percepção luminosa alguma. As partidas são silenciosas, em locais sem eco. A torcida só pode se manifestar na hora do gol.

Além do guizo, os jogadores contam com a orientação do técnico, do goleiro e de um ?chamador?, que fica atrás do gol rival. O treinador só pode orientar seus atletas nos 20 metros centrais do campo. O goleiro é quem comanda a defesa nos 10 metros próximos a sua meta. E o chamador direciona seus jogadores no ataque (no campo do rival, a 10 metros do gol). Para a bola não sair pelas laterais, a quadra é cercada. Sempre que parte para a marcação de um atleta, o jogador é obrigado a dizer a palavra espanhola ?voy?, anunciando para os colegas de time e adversários em que lugar da quadra está (e evitar mais choques).

Para Vinícius, de 23 anos, que iniciou a carreira no futebol de campo, em São Bernardo, o segredo para uma boa partida com os atletas cegos está na relação entre ele, o goleiro, e a defesa. Afirma que, quando bem orientados, seus atletas evitam muitos chutes a gol, facilitando o seu trabalho.

? Não é fácil, não. Primeiro, porque nós temos de nos adaptar ao jogo deles. A comunicação entre o goleiro e a defesa faz toda a diferença. Nós somos os olhos deles no jogo. Por isso, acredito que 70% do sucesso são a comunicação, a orientação para a defesa ? explica Vinícius, que já se adaptou a esta regra do futebol de 5. ? Como só posso orientá-los nos 10 metros à frente do meu gol, posso pedir para algum jogador do meu time nessa área passar a informação adiante, para outro jogador.

Luan e Vinícius estreiam em olimpíadas, e o técnico Fábio Vasconcelos, que foi goleiro do Brasil nas últimas três edições, orientará o time no banco também pela primeira vez. Ele conta que se surpreendeu quando descobriu a modalidade, por meio de um professor de educação física da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), em Campina Grande (PB), em 2003.

? Me chamou, explicou que os jogadores eram cegos e disse que eu ia tomar gol. Achei que era brincadeira e que ele estava me tirando. Nosso time perdeu por 1 a 0 para a equipe de João Pessoa e eu me calei ? conta Fábio.

O treinador explica que um bom goleiro no futebol de 5 tem de saber orientar seus companheiros de time, algo que ele sempre gostou no futsal convencional.

? Sempre fui muito falante nos jogos e isso me ajudou. Conheço muito goleiro em Campina Grande que tentou jogar futebol de 5 e não se adaptou ? comenta o treinador, que diz que contra o Brasil, todos os rivais jogam com os quatro jogadores na defesa e que tentam forçar a disputa por pênaltis. ? E aí, complica!

O último campeonato em que o Brasil não levou o título foi o Mundial de 2006, em Buenos Aires, que teve os donos da casa como campeões. De lá para cá, venceu todos os torneios.