Cascavel – Dez meses desde a greve dos transportes que parou o Brasil, no fim do mês de maio de 2018, uma das principais reivindicações dos caminhoneiros para pôr fim à paralisação até hoje não vingou. Além de a tabela do preço mínimo do frete não estar sendo cumprida, o valor do frete hoje é igual ao praticado há um ano, nem mesmo a inflação foi acrescida.
Entidades afirmam que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não fiscaliza e outros setores, como o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) parece ter engavetado o assunto.
A polêmica tabela do frete protagoniza dezenas de ações e questionamentos jurídicos e a indagação feita pelo segmento neste momento é: como a nova diretoria da ANTT vai lidar com o assunto?
Para o presidente do Sintropar (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Oeste do Paraná), Wagner Adriani de Souza Pinto, o maior problema é que a tabela já nasceu com vícios de origem numa tentativa de fazer o governo regular o mercado. Até agora, tem vencido a lei da oferta e procura. “Quando aconteceu a greve já havia um número maior de caminhões do que o mercado comportava, e o que houve então? Facilidade de acesso para aquisições de mais caminhões. Ou seja, o número de caminhões está ainda maior, com isso, o mercado está se autorregulando. Na outra ponta, criou-se uma tabela, mas não há fiscalização, ou seja, ninguém cumpre os preços determinados”, explica.
Quebra da safra
Para a região oeste do Paraná o agravante para o setor está em uma safra mais curta, já que boa parte da soja precisou ser colhida mais cedo após as interferências do clima e do tempo que resultaram numa quebra média na produção de soja de 40%, ou seja, 1 milhão de toneladas a menos da oleaginosa que deixou de ser colhida e, consequentemente, transportada. “Para a região, quase não se tem mais o que transportar em se tratando de grãos. A safra já acabou e a quebra foi grande, isso também tem interferido no preço do frete”, destacou Wagner Adriani.
Pelo tabelamento, cada tonelada de soja ou milho que sai da região rumo ao Porto de Paranaguá deveria custar ao embarcador cerca de R$ 140. Na prática, ele vem pagando de R$ 60 a R$ 70 a tonelada, ou seja, até menos da metade da determinação legal.
Pior: o frete praticado está abaixo até mesmo dos custos. Para se equilibrar nas contas, o transportador precisaria receber pelo menos R$ 120 por tonelada. “O que segura um pouco é que o óleo diesel, que está ajudando. Não está custando os R$ 4,5/litro que chegou a custar pouco antes da greve. Hoje, o litro sai por algo em torno dos R$ 3,4, mas só neste ano o aumento já foi de 11%”, completou o presidente do Sintropar, Wagner Adriani.
Não há risco de nova greve
Apesar dos baixos valores, o líder sindical Wagner Adriani de Souza Pinto – que tem contato direto com 1.532 transportadoras somente na região oeste do Paraná – não acredita que o descumprimento da tabela do frete, nem mesmo a falta de fiscalização, possam desencadear uma nova greve.
“Não existe atmosfera política para isso. O governo federal está no início e mostra que tem a intenção de resolver algumas coisas, mas pudemos tirar uma importante lição da paralisação do ano passado. Mais do que pedir medidas políticas, da intervenção do governo no mercado como uma tabela de frete, nós precisamos é de medidas que nos permitam trabalhar com dignidade, como a redução dos impostos, mas principalmente a implantação do marco regulatório dos transportes. Esse marco vai trazer regras para a abertura de novas empresas. É a regulamentação do setor para que promova uma mudança no segmento em 10, 20 anos”, ressalta, e lembra que o tema transportes está, mais do que nunca, recheado de insegurança jurídica.
“A insegurança jurídica vivida hoje é ainda maior do que no período da greve. Cria-se uma tabela que ninguém fiscaliza, mas que pode gerar um ônus muito grande lá na frente [se punirem quem não cumpre os valores tabelados]. Se acirrar a fiscalização, vai fechar as portas de todo o mundo”, alerta.
Para Wagner, a sensação que o segmento tem é de que o governo tirou a mão sobre essas decisões à espera que o próprio mercado se regule. “Mas não se pode perder de vista que a tabela foi criada para se resolver um problema político. Não foi técnica e ninguém teve coragem de mudar isso ao longo desse tempo, quase um ano já. Estão sendo travadas brigas jurídicas e ninguém encara o problema de frente”, critica.
E acrescenta: “Mas reforço: o setor de transporte está passando e vai passar por uma transformação. O que podemos após um ano [desde a greve] é apontar um resultado positivo da paralisação, houve amadurecimento do setor de transporte rodoviário para entender as suas reais demandas e para discutir internamente dentro das entidades, desde o autônomo até o transportador rodoviário e o governo, o futuro do transporte rodoviário de carga. A visão muito paternalista, de muita dependência do governo, está começando a mudar e evoluir para outras discussões”, ressalta.
Wagner não acredita que o valor do frete praticado baixe ainda mais, mas reconhece que os próximos meses serão de cautela, especialmente pelo período entressafra. A colheita da safrinha só começa em maio.
Reportagem: Juliet Manfrin