Cotidiano

Sem água, moradores terão que fazer obra na Ilha da Gigóia

2016 912345091-201605271726274724.jpg_20160527.jpgRIO – A Alameda das Mangueiras, na Ilha da Gigóia, termina na beira da Lagoa da Tijuca, um dos pontos de atracação de barcos. Sabe-se lá por quê, muitos moradores enxergam a via como um depósito de lixo, apesar de a Comlurb realizar a coleta na porta das casas. Ultimamente, tornaram-se mais frequentes as falhas no abastecimento de água, ao mesmo tempo em que conexões irregulares proliferam. Ilegais também são muitas ligações de energia elétrica. Na semana passada, a Light encontrou 242 ?gatos?, em dois dias de operação no local. Os problemas têm uma causa em comum: o crescimento exponencial do número de moradores e a consequente desordem, já que não há estrutura para recebê-los.

Em outubro de 2014, a prefeitura sancionou uma lei que transformou as sete ilhas habitadas da Lagoa da Tijuca em Área de Especial Interesse Social (Aeis). A decisão visava à regularização da situação fundiária do arquipélago, onde, segundo o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio (Iterj), moram cerca de dez mil pessoas, e retificava pontos do decreto do então prefeito Saturnino Braga, que, há mais de 30 anos, proibiu a construção de novas casas ali, para evitar danos ambientais.

Na Ilha da Gigóia, a maior delas, com mais de 130 mil metros quadrados e cerca de quatro mil moradores, a esperança de melhora dos serviços públicos foi, com o passar dos meses, substituída pela preocupação com o crescimento sem planejamento. Desde 2014, pouco se fez em relação ao ordenamento, e a própria Secretaria municipal de Urbanismo admite que ainda não foi elaborada uma legislação específica para tratar da urbanização e da regularização da área, processo que exigiria participação das secretarias de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de outros órgãos ambientais.

2016 912345229-201605271726484727.jpg_20160527.jpgNascido e criado na ilha, Eduardo Dias, mais conhecido como Tico, preside a Associação de Moradores da Gigóia. Enquanto caminha pelo local, a todo momento é cumprimentado por vizinhos. O fato de quase todos os moradores se conhecerem remete ao clima tranquilo de pequenas cidades de interior. Pelo menos a segurança, ali, raramente é problema.

Os gestos de Tico, porém, evidenciam o cansaço e o estresse com os quais ele convive há alguns anos. Sempre abordado por moradores que sofrem com falta d?água e outros inconvenientes, ele reclama da chegada incessante de novos moradores à ilha:

? Aqui já está superlotado. Não comporta mais gente.

O aumento da população é refletido na paisagem da Gigóia e facilmente notado nas ruas internas. Em muitos pontos, o silêncio habitual foi substituído por barulho de obra. Os puxadinhos proliferam, e muitas casas se transformam em prédios.

A falta de educação agrava a situação. Apelidada de Beco do Lixo, a Alameda das Mangueiras já é utilizada como depósito irregular há cerca de cinco anos, explica Tico. A quantidade de lixo, porém, aumentou muito este ano, afirma:

? Nós espalhamos placas informativas e distribuímos panfletos para conscientizar a população. Fizemos ações em conjunto com a Comlurb, mas parece que ninguém aprende.

2016 912344797-201605271725354719.jpg_20160527.jpgO morador Paulo Scheele também lamenta a sujeira na ilha, mas diz que, além do descaso da população, pesa o fato de a Comlurb estar trabalhando com menos equipamentos do que há um ano, quando havia quatro embarcações à disposição dos garis que realizam a coleta no local. A Comlurb explica que está atuando na Gigóia com uma embarcação tipo chata e um ecoboat, além de um catamarã que voltou a operar na semana passada. Outro, que costuma ser usado no trabalho na ilha, está sendo recuperado.

? Enquanto a demanda aumentou, a estrutura do poder público diminuiu ? reclama Scheele.

Moradores farão obra para água

Problema recorrente na Ilha da Gigóia, menos recente do que o lixo, é a falta d?água. Sistematicamente, moradores sofrem com a escassez no abastecimento. Dona de uma pousada na ilha, onde mora, Mônica Selem está preocupada. Com todos os quartos reservados para a Olimpíada, o local não recebe água há mais de 60 dias. No início, ela usava bomba para encher a cisterna, mas diz que isso não é mais suficiente. A solução foi fechar a pousada e se manter à base de água mineral. Ela também improvisou um sistema para captar água da chuva, com canaletas no telhado.

2016 911024609-201605211503210063.jpg_20160521.jpg? Há quatro mil moradores na ilha, e sou um dos 70 que pagam conta. O problema é que temos o mesmo sistema há 50 anos. As pessoas vão fazendo ?gatos? e não sobra água para mim, porque minha casa é a última da rede. Não quero saber quem rouba; só quero minha água de volta ? lamenta Mônica, que não abre a pousada desde o carnaval. ? É uma pena, porque esse lugar era um paraíso, mas agora está cheio de problemas. A Gigóia hoje só é boa para quem quer vir passear.

Há alguns meses, ao se ver às voltas com outra falha no abastecimento, Mônica resolveu parar de pagar a conta da Cedae, já que o serviço não era prestado. Um mês depois, recebeu uma notificação avisando que seu nome seria incluído no SPC.

? Para cobrar, eles são rápidos. Gasto R$ 1.200 por mês de luz, por causa da bomba para encher a cisterna. Entrei com processo administrativo dentro da Cedae e também com processo judicial. Eles vão ter que me ressarcir. Agora, minha advogada me aconselhou a continuar pagando a conta d?água, de cerca de R$ 140, para cobrar depois na Justiça ? diz a proprietária da pousada.

2016 911027620-201605211514230076.jpg_20160521.jpgAcostumado com essas reclamações, Tico diz que a ilha é abastecida por meio de ?gatos?, e que ?até a Cedae sabe disso?. Há cerca de um mês, ele teve uma reunião com representantes da companhia e conseguiu a cessão de tubos maiores, para substituir os existentes, muito finos, que abastecem a rede de água. A obra, porém, terá que ser feita pelos próprios moradores:

? A Cedae disse que levaria água até a entrada da ilha, mas que não tem verba, hoje, para realizar obras aqui dentro. Eles nos cederam o material, e já estou recrutando gente para ajudar no trabalho. Vamos ter que fazer isso voluntariamente; serão necessárias de dez a 20 pessoas.

2016 911026070-201605211507300069.jpg_20160521.jpgHá duas semanas, Mônica conseguiu que técnicos da Cedae visitassem sua casa, mas de nada adiantou. Segundo ela, os técnicos disseram que a água estava circulando, porém sem força para chegar ao imóvel. Eles a orientaram a instalar uma válvula de retenção no encanamento da rua.

? Eu não posso ficar mexendo no sistema da Cedae no meio da rua. Liguei de novo, e disseram que mandariam um engenheiro vir aqui. Não concordo com essa coisa de morador arcar com obra pública. A Cedae que faça o trabalho direito ? diz.

2016 912344925-201605271725564722.jpg_20160527.jpgNo que se refere ao esgoto, outro problema da ilha ? onde há despejo in natura na lagoa ?, Tico diz que a Cedae não conseguiu sequer prometer melhorias.

Procurada, a Secretaria municipal de Urbanismo informa que já existem na Gigóia 78 processos de embargo por execução de obras sem licença. Já a Comlurb diz que o volume diário de lixo recolhido pulou de quatro para oito toneladas em um ano. A coleta domiciliar é realizada às segundas, às quartas e às sextas-feiras. Nos demais dias, há retirada de lixo público. E a Cedae explica que elaborou o projeto da obra que visa a melhorar o fornecimento de água na ilha, programada para começar na próxima semana. Ela será feita pelos moradores, em esquema de mutirão, e a companhia fiscalizará as intervenções.