O projeto histórico Memória Rondonense comemorou na última segunda-feira (23), o quarto aniversário. Coordenado pelo rondonense Harto Viteck, que é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, o projeto tem como foco maior o resgate e a preservação da história de Marechal Cândido Rondon e dos municípios que integram a Comarca: Entre Rios do Oeste, Pato Bragado, Mercedes, Quatro Pontes e Nova Santa Rosa.
Reconhecido como importante ferramenta de pesquisa por professores, estudantes e comunidade em geral, a Memória Rondonense está ampliando sua atuação com um projeto de caráter internacional.
Trata-se das pesquisas sobre as obrages de Nunêz Y Gibaja, que existia na região do Lopei, entre Toledo e Cascavel; e de Puerto Artaza, que havia na região do distrito rondonense de Porto Mendes e era de propriedade do mítico Julio Tomaz Allica.
No início deste mês, Harto Viteck e Luiz Eduardo Deon, professor na cidade de Cascavel e agora também pesquisador da Memória Rondonense; juntamente com o empresário Rudi Sander, estiveram em Posadas, na Argentina, em busca de documentos no Museu Regional Anibal Cambas e no Porque do Conhecimento. Além de material sobres as duas obrages, eles também apuraram informações sobre outras que existiram na região do Rio Paraná, tanto no lado brasileiro como no Paraguai.
Na oportunidade, os rondonenses foram acompanhados pelo professor doutor Alberto Daniel Alcaraz, historiador da Universidade Nacional de Misiones e colaborador da Memória Rondonense. Juntos, ainda visitaram a Estância Santa Inês, que foi sede das empresas de Pedro Nuñez, cuja parte industrial ervateira foi desativada e hoje é bastante procurada para turismo rural e de aventura.
Também foi visitada a 15ª Feira do Livro de Encarnación, oportunidade em que puderam fazer contatos com historiadores paraguaios.
Obrages
As obrages tiveram papel importante na região entre o final do século XIX e início do século passado. Ou seja, algumas décadas antes da ocupação massiva da região lindeira ao Rio Paraná, no Oeste do Estado, que se deu com mais intensidade a partir da década de 1950.
Conforme definiu Nelson Werneck Sodré, no livro “Tipos e Aspectos do Brasil”, as obrages estabelecidas entre Guaíra e Foz do Iguaçu tinham suas atividades marcadas pela extração e preparo da madeira, que era então escoada através de portos instaladas na barranca do Rio Paraná. A erva-mate também era uma atividade bastante difundida.
Os latifundiários proprietários das obrages, conhecidos como “obrageiros”, eram geralmente estrangeiros. Os peões, que trabalhavam nestes locais em situações de grande vulnerabilidade e exploração, eram chamados de “mensus”, a grande maioria de origem paraguaia.
O argentino Pedro Nuñez era o proprietário da obrage “Nunêz Y Gibaja”, que explorava erva-mate na região de Lopei, entre Toledo e Cascavel. A produção era exportada via Rio Paraná até Posadas, onde estava a indústria de beneficiamento de erva-mate da empresa.
Grande latifundiário, Pedro Nuñez, promovia a exploração dos ervais nativos e de madeira nesta região do Brasil, no Paraguai e em Misiones (Argentina). “Ele era tão poderoso que foi o principal articulador da criação e o primeiro presidente da Federação da Indústria Argentina”, afirma o coordenador da Memória Rondonense.
Barbaridades
Por sua vez, o obrageiro argentino Julio Tomaz Allica é um personagem cuja personalidade deu origem a muitas lendas, principalmente na região de Marechal Cândido Rondon.
Em 1908, ele adquiriu terras do Governo do Paraná e, na região do atual distrito de Porto Mendes, instalou a sede da Fazenda Allica, onde também construiu o Porto Artaza, no Rio Paraná, empreendimento hoje submerso pelas águas do Lago de Itaipu.
Harto Viteck explica que a empresa explorava erva-mate na região de Campo Mourão e trazia a produção para ser embarcada em seu porto com destino a Posadas, Corrientes e Buenos Aires.
“O caminho por onde era transportada a erva-mate é hoje a Avenida Rio Grande do Sul, em Marechal Cândido Rondon. O caminho seguia pelo trecho da atual estrada que vai para Quatro Pontes, Nova Sarandi, Vila Nova e, no sentido oposto, no nosso município seguia para a região da atual Vila Curvado, passava pela avenida da sede distrital de Iguiporã e seguia até a Linha Apepú”, detalha.
Allica entrou para a história local como um homem cruel. Embora falecido em 1942 (possivelmente no Paraguai), os colonizadores de Marechal Cândido Rondon propagaram esta versão, que é corroborada por alguns depoimentos da época em que Allica ainda era vivo.
É o caso do autor Lima Figueiredo, autor do livro “Oeste Paranaense”, que foi editado em 1937 na série “Brasiliana”, da Biblioteca Pedagógica Brasileira. Ele esteve na região e conheceu Allica. Na obra, ele afirma que a propriedade de Don Allica era “citada como padrão das barbaridades sofridas por seus mensus”.
A má-fama foi conquistada, em especial, pelo modo de trabalho praticado por Santa Cruz, cunhado de Allica e que Figueiredo definiu como “um monstro”.
Santa Cruz foi descrito como um homem que tiranizava os cerca de 2 mil mensus da propriedade, prostituía suas esposas, além de estuprar meninas de 8 e 9 anos. Santa Cruz foi assassinado numa emboscada no arroio Quatro Pontes.
Conforme Harto Viteck, as pesquisas da Memória Rondonenses pretendem revelar um pouco mais desse personagem lendário da região, separar o que é comprovado historicamente e aquilo que é folclórico, e trazer novas informações sobre as obrages na região.
A da Fazenda Allica sucumbiu na metade da década de 1920, destruída pela Coluna Prestes que se instalou na propriedade antes de destruí-la como retaliação pelo apoio do obrageiro argentino às tropas do governo brasileiro.
Projeto Memória Rondonense: 4 anos
Preservar a história e servir de fonte de pesquisa para os rondonenses, visitantes, acadêmicos e todos aqueles que se interessam em conhecer mais sobre o passado do município de Marechal Cândido Rondon. Esta é a proposta do projeto Memória Rondonense.
“Para tanto, já disponibilizamos na internet um arquivo com milhares de fotos do nosso acervo, que já chega a 11 mil imagens, muitas delas ainda não digitalizadas. São registros que retratam períodos diferentes da história do município, como na época em que a região servia como rota de transporte da erva-mate produzida no Mato Grosso e que era exportada até a Europa. Também existe amplo acervo sobre a época da colonização e o período após a emancipação ocorrida em 1960, estendendo-se até os dias atuais”, informa o coordenador Harto Viteck.
Além disso, o projeto Memória Rondonense ainda disponibiliza um calendário histórico, com eventos diários que marcaram o dia a dia do município ao longo dos anos. Apresenta entrevistas, notícias e reportagens que resgatam o passado do povo rondonense. Todo o material pode ser acessado no site www.memoriarondonense.com.br e também na página no Facebook (www.facebook.com/MemoriaRondonensePerfil).
Somente no ano passado, o site obteve 350 mil visualizações.
O projeto Memória Rondonense é mantido com o apoio financeiro de empresas locais, cuja contribuição é fundamental para as pesquisas.