Cotidiano

Fazendas mexicanas deixam vilarejos com sede

WATER_MALKIN_NSPR_7_1399333.JPGSAN ANTONIO DE LOURDES, MÉXICO ? Na sombra salpicada das árvores ao lado de uma escola amarelinha, as crianças terminaram uma música e esperavam a bênção do padre.

O reverendo Juan Carlos Zesati começou de modo gentil, citando o papa Francisco. “A água faz parte da criação de Deus”, ele disse ao comparar a conexão de Deus com a terra, a vida, a comunidade e, enfim, cada indivíduo. “Temos de respeitar essa ligação.”

Só que o poço em San Antonio de Lourdes, vilarejo no estado de Guanajuato, região central do México, secou anos atrás. A vila em si, exaurida pela pobreza e pela migração, também parece estar secando, e somente 29 crianças ainda estudam na escola primária. Entretanto, a meia hora de carro dali, fazendas férteis bombeiam água do subsolo para irrigar plantações de brócolis e alface para supermercados nos Estados Unidos.

? Suas comunidades estão sofrendo ? Zesati declara a um grupo de mães e crianças antes de fazer a acusação. ? São as fazendas que estão puxando a água, mas somente para elas.

Depois, ele se virou para olhar um tanque d’água caiado de branco, construído pelos moradores de San Antonio de Lourdes para coletar água da chuva do telhado da escola, levantou a mão direita e o abençoou.

? Isto parece pequeno diante de todos os problemas que existem, mas é um sinal de esperança.

Foi o primeiro de um dia de bênçãos semelhantes em um bolsão montanhoso e árido do México central onde os produtores rurais esperam que a chuva dê vida às culturas de subsistência de milho e feijão.

Quando Zesati chegou ao norte de Guanajuato quatro anos atrás, logo soube que estava no meio de uma crise hídrica, que afeta boa parte das áreas agrícolas mexicanas.

? O que o papa enfatiza é que quem mais sofre com a pressão na terra e a destruição ecológica ? afirma Zesati. ? Os primeiros que sofrem são os pobres. Eles se tornam pobres por obra de quem segue um modelo econômico que joga seus custos neles.

As propriedades rurais de Guanajuato representam uma das grandes histórias de sucesso desse modelo, codificado pelo Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, o Nafta. Todo dia, trabalhadores carregam engradados de frutas e legumes frescos em carretas refrigeradas gigantes que partem direto para a fronteira com o Texas.

? O Nafta é todo centrado em agricultura intensiva ? diz Dylan Terrell, diretor da Caminhos da Água, organização que trabalha com universidades nos Estados Unidos para testar a qualidade do líquido nos poços de Guanajuato, além de projetar e pagar por cisternas e outros métodos para coletar água potável.

Até a década de 1980, mesmo antes do tratado de livre comércio, o governo proibiu a maioria dos poços novos em Guanajuato. A extração de água, no entanto, cresceu exponencialmente.

O que permitiu que isso acontecesse é “um sistema muito bem conhecido de subornos e corrupção”, sustenta Terrell.

A cada ano, as fazendas perfuram mais fundo no aquífero, e os cientistas alertam que, ao fazerem isso, atingem a água contaminada, depositada entre dez mil e 35 mil anos atrás.

? Esse é um desafio às autoridades ? diz Marcos Adrián Ortega Guerrero, hidrólogo da Universidade Nacional Autônoma do México. ? O de administrar água com milhares de anos de idade, água contaminada por arsênico e flúor, que causa um grande mal e que elas quiseram admitir.

Não existem estudos formais dos efeitos à saúde provocados pelo excesso de arsênico e flúor nos poços comunitários de Guanajuato, mas testes recentes realizados pela Universidade do Norte do Illinois para a Caminhos da Água mostram níveis muitas vezes acima dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a OMS, a exposição contínua a arsênico nesse nível pode causar câncer de pele e no pulmão, entre outros, além de efeitos cardiovasculares e neurológicos. Ainda de acordo com a entidade, flúor em excesso pode provocar fluorose nos dentes e ossos, acentuando a deficiência renal.

Três pessoas morreram de doenças renais desde a chegada de Zesati, e agora ele teme por Gloria Villanueva Rodríguez, com deficiência renal há um ano. Três filhos foram embora se juntar a outros três que já trabalham nos EUA e mandam dinheiro para bancar a hemodiálise. “Eles estão trabalhando para me curar”, declara Gloria, 51.

Poucos questionam o fato de que o fornecimento de água em Guanajuato sofre pressão aguda. As propriedades rurais respondem por 82 por cento de todo o líquido consumido e não precisam pagar por ele.

? Os estudos disponíveis são suficientes para afirmar que os aquíferos estão sujeitos a um excesso de exploração destrutivo ? escreve Victor Hugo Alcocer Yamanaka, subdiretor técnico da Comissão Nacional de Água (Conagua) em resposta aos questionamentos.

Ele negou as acusações de que a Conagua, que só conta com dez inspetores para o estado inteiro, tenha concedido concessões ilegais de exploração.

Alcocer também confirmou que os níveis excessivos de flúor foram detectados em vários lugares da parte norte do estado, e tanto o flúor quanto o arsênico foram achados em alguns outros locais.

? Temos de apoiar o crescimento ? afirma Roberto Castañeda, subsecretário estadual de agricultura de Guanajuato. ? Para economizar água, temos que ser muito mais intensos na aplicação da lei, levando tecnologia para o interior e aprimorando a eficácia.