Cotidiano

Combate às drogas deve ser feito sem atropelos

O Brasil vive, no que se relaciona a sua política sobre drogas, uma situação que beira a esquizofrenia. De direito, a legislação que regula o tema foi atenuada em 2006, com a Lei 11.343/06, principalmente no que diz respeito a diferenciar o usuário do traficante. Em tese, o consumidor fica sujeito a penas mais brandas e busca-se um alívio no já sobrecarregado sistema penitenciário. Na prática, no entanto, não é assim que tem funcionado. Os organismos ligados à questão (polícia, em especial, mas também a Justiça) ainda parecem presos a uma cultura da punição (prisão, em geral) pura e simples, na contramão de métodos mais realistas adotados no mundo para enfrentar o problema.

Esse é um dos gargalos de um tema que, por sua complexidade, tem sido tratado preferencialmente no âmbito da judicialização. Nesse aspecto, há outros nós a desatar ? por exemplo, a discussão, embaraçada em julgamento no Supremo, para decidir se o réu primário acusado de tráfico deve ou não responder por crime hediondo. Ou, também na alçada da Lei de Drogas de 2006, a definição da quantidade de substâncias que caracterize alguém que vá preso como usuário ou traficante.

No âmbito das políticas governamentais de combate aos entorpecentes, também o país está desconectado das ideias mais modernas relativas ao tema. O Brasil está atrasado em relação a outras nações, em especial aquelas que passaram a tratar a questão das drogas como problema afeito à saúde pública, com isso perdendo tempo na imperiosa necessidade de adequar seus programas à realidade mundial. Vale lembrar que até mesmo a ONU começa a rever conceitos que pareciam inabaláveis em relação ao combate às drogas.

Isso, no entanto, não é licença para que se recorra a ações que não só atropelem as discussões em curso, como as façam retroceder a patamares que atrasem ainda mais decisões que, escoradas na legislação, façam o país avançar. Esse aspecto deletério está na base da decisão do ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, de substituir o representante da pasta no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). Notório crítico da descriminalização, operando desde sua trincheira na Câmara como deputado federal (PMDB-RS), ele argumenta que o órgão está impregnado de um pensamento ideológico pró-legalização (diferente de descriminalização). Menos mal que o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, tenha sinalizado que diverge do colega de Ministério na forma e no conteúdo. Moraes deu o tom certo, ao observar que o tema está fora da agenda do governo Temer, às voltas com questões, neste momento, mais emergentes, como o ajuste fiscal e a crise política do país. E, igualmente de forma positiva, lembrou que o Brasil parece corretamente convergir para tratar o assunto como questão atinente à saúde pública, e não meramente policial.

As drogas são um flagelo mundial, e o país precisa mesmo se engajar na luta contra esse mal. Mas que o faça em consonância com políticas eficazes, e não à luz de concepções irreais.