SÃO PAULO ? Uma experiência política e poética. Assim foi a abertura da 4ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp, que aconteceu nesta terça-feira à noite, no Theatro Municipal de São Paulo.
Antes de a primeira atração da mostra subir ao palco, a peça-concerto “Avante, marche!”, dos belgas Alain Platel e Frank Van Laecke, o Municipal se transformou numa arena, e os espectadores ? longe da passividade ? se mostraram contundentes ativistas políticos.
Assim que subiu ao palco para apresentar a edição 2017 da mostra, o diretor de produção da MITsp, Guilherme Marques, defendeu o descongelamento do orçamento da secretaria municipal de Cultura de São Paulo, que sofreu um corte de 43,5%, afetando a continuidade de políticas culturais significativas, como o edital de Fomento à Dança.
Os aplausos, porém, se transformaram em sonoras vaias quando representantes da prefeitura, do governo do estado de São Paulo e do Ministério da Cultura subiram ao palco. Gritos de “Descongela!” e “Golpistas!” tomaram a sala e abafaram, sobretudo, a voz da representante do MinC, Haifa Madi, que falou durante minutos num microfone incapaz de furar a massa de vaias, e deixou o palco sob urros de “Fora Temer”.
A atmosfera era tensa. Os convidados não foram ao Municipal apenas para assistir a um espetáculo ou celebrar a abertura da Mostra, mas para protestar contra a precarização da política cultural no país.
Conduzida com habilidade pela atriz Georgette Fadel, a cerimônia de abertura encerrou suas etapas protocolares deixando o palco mais que aquecido para a chegada de “Avante, marche!”.
O título escolhido para a primeira noite parecia, curiosamente, indicar que discursos e protestos continuariam a dar o tom em cena, mas a criação de Platel, Van Laecke e do compositor Steven Prengles se fez igualmente contundente por outras vias.
Em cena, a circunstância dramatúrgica da obra não deixava de ressoar política. Estruturada como uma peça-concerto e guiada por uma banda sinfônica, “Avante, marche!” traz como personagem central um trombonista (Wim Opbrouck) que, diante de um câncer de garganta, precisa aposentar seu instrumento. Porém, antes disso, ele faz o que pode para encher seus pulmões de ar e expirar suas derradeiras notas musicais.
Transformar oxigênio em música, em arte, é um dos aspectos fundamentais da obra. A capacidade de armazenar o ar e de controlar a respiração são os elementos que possibilitam toda a criação artística em cena, tanto a execução dos passos de dança como das partituras dos instrumentos de sopro que conduzem a peça.
Encenada num Municipal que, pouco minutos antes, se rebelava contra políticas que asfixiam a cultura, “Avante, marche!” misturou poética e política quase “sem saber”, em cenas ao mesmo tempo emocionantes e contundentes, como a do momento em que o músico protagonista, o trombonista em estado terminal, pergunta aos integrantes da Banda Sinfônica de São Paulo, que o acompanhavam em cena, “Qual é a sua profissão? Músico? Você realmente vive de música?! Nossa, uau!”