Cascavel e Paraná - A ameaça de uma retaliação brasileira à tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos sobre produtos exportados pelo Brasil acendeu um sinal de alerta no setor de proteína animal. O receio é de que a adoção de medidas de reciprocidade, embora compreensível do ponto de vista diplomático, possa provocar efeitos colaterais graves sobre as cadeias produtivas brasileiras, principalmente em segmentos que dependem fortemente de importações de insumos norte-americanos.
A avaliação é do presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. Segundo ele, uma tarifação equivalente imposta pelo Brasil teria como alvo produtos estratégicos importados dos EUA, como máquinas, motores, medicamentos veterinários, fertilizantes e insumos essenciais para a agroindústria. Somente em saúde animal, o Brasil importa anualmente mais de US$ 700 milhões em produtos norte-americanos. “Nós temos que olhar que prejuízo nós vamos ter, porque a reciprocidade vai ser em cima de máquinas, motores. Se houver reciprocidade integral, nós importamos mais de 700 milhões de dólares em saúde animal, sem falar nos fertilizantes e outros insumos”, alertou Santin.
Os impactos diretos sobre as exportações brasileiras de proteína animal também já foram calculados. A ABPA estima que as tarifas americanas possam provocar perdas de até US$ 180 milhões ao setor, especialmente no comércio de suínos, ovos e peixes. Neste último segmento, o caso é ainda mais delicado. “A tilápia, sim, sofre porque é exportada do Brasil para os Estados Unidos de avião. Nós temos tilápias concorrentes da China, do Vietnã, e se o nosso produto ficar muito caro teremos dificuldade para vender porque o Brasil não tem muito mercado”, pontuou o dirigente.
Embora o impacto sobre as exportações de suínos possa ser mitigado pela diversificação de mercados — o Brasil mantém atualmente mais de cem destinos abertos para esse tipo de carne —, outros segmentos têm margem de manobra bem mais estreita. As exportações de ovos, por exemplo, seguem fortemente influenciadas pelas condições internas dos EUA. “O que vai determinar se o Brasil continuará a exportar ovo para os EUA ou não, mesmo com tarifa, é o preço do ovo local”, afirmou Santin. O cenário é particularmente sensível porque a avicultura americana enfrenta atualmente uma crise sanitária grave, com novos surtos de gripe aviária, o que tem pressionado a oferta interna e sustentado as compras externas.
Cautela nas Negociações Comerciais
Nesse contexto, Santin reforça a necessidade de cautela e pragmatismo nas negociações comerciais. Ele defende que o Brasil adote uma estratégia mais ampla e sofisticada, evitando respostas automáticas que possam acabar prejudicando setores estratégicos da economia nacional. Uma das sugestões seria oferecer aos americanos contrapartidas que interessem diretamente ao governo dos Estados Unidos, como a redução de tarifas de importação para produtos de alta tecnologia. “Nós temos que limpar da carta e ler o último parágrafo dele, que diz que ‘se o Brasil estiver disposto a negociar tarifas para produtos que têm tarifas muito altas, nós também estamos dispostos a rever essa tarifa de 50%’”, relembrou Santin, referindo-se ao comunicado oficial norte-americano.
O temor é que uma escalada de tarifas afete não só o fluxo comercial, mas comprometa a competitividade da indústria brasileira, já pressionada por custos logísticos, tributários e cambiais. Para a ABPA, qualquer decisão precipitada poderá criar um efeito dominó, atingindo setores que hoje não possuem alternativas viáveis no mercado internacional para substituir os insumos dos EUA.
Impacto Sistêmico na Economia
Assim, enquanto o Brasil avalia qual será sua postura definitiva, o setor de proteína animal observa com apreensão a evolução desse novo capítulo na já conturbada relação comercial com os Estados Unidos. “O momento exige cabeça fria e muito cálculo. Não podemos transformar um problema localizado em um problema sistêmico para a nossa economia”, conclui Santin.