Cascavel – A falta de silos para armazenamento de grãos é uma realidade vivida pelo Brasil a cada colheita de safra que se inicia. E esse déficit de estocagem só aumento ano após ano. De acordo com a mais recente estimativa da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção estimada é de 322,4 milhões de toneladas de grãos. Em contrapartida, o Brasil tem uma capacidade estática para armazenagem de 222,3 milhões de toneladas. Mas o que está ruim pode piorar por conta da concentração da colheita pelo atraso no plantio. Conforme a Câmara Setorial de Máquinas e Equipamentos para Armazenagem de Grãos, o déficit atual no País é de 124 milhões de toneladas em 2024.
Em entrevista concedida à reportagem do Jornal O Paraná, o professor da Unioeste, com doutorado em Processamento de Produtos Agrícolas, engenheiro agrícola Adriano Divino Lima Afonso, fez uma reflexão sobre a história do armazenamento de grãos no Brasil. Segundo ele, historicamente, o Brasil sempre privilegiou a construção de grandes armazéns. “Esse modelo remonta a meados do século passado, quando o armazenamento de grãos desempenhou um papel fundamental na expansão agrícola brasileira, especialmente após a chegada dos imigrantes que contribuíram para a ocupação e desenvolvimento do oeste do País”, relata Afonso.
CENTRALIZADO
Diferente de nações como os Estados Unidos e a Argentina, que adotaram o modelo de armazenamento pulverizado, ou seja, distribuído nas próprias fazendas, o Brasil sempre apostou em um sistema centralizado. No passado, a construção de grandes armazéns foi incentivada pelo governo, com o intuito de garantir um controle sobre a produção agrícola. “O armazenamento sempre foi uma ação estratégica do País. Pode faltar tudo, menos alimento”, ressalta Afonso, explicando que essa medida visava assegurar a segurança alimentar da nação.
Essa política, entretanto, resultou em uma ausência de incentivos para que os próprios produtores armazenassem os grãos em suas propriedades. A preocupação central sempre foi a de que o Estado mantivesse o controle sobre o processo de armazenamento, garantindo não apenas a distribuição eficiente, mas também a estabilidade do mercado e a segurança alimentar da população.
O crescimento da produção agrícola no Brasil tem sido notável, mas o setor de armazenamento não tem conseguido acompanhar o ritmo dessa expansão. A falta de infraestrutura adequada para armazenar os grãos colhidos, especialmente durante a época da colheita, é um problema recorrente. De acordo com o Engenheiro Agrícola Adriano Afonso, esse descompasso ocorre principalmente pela necessidade de grandes investimentos para aumentar a capacidade de armazenamento, investimentos que, muitas vezes, precisam ser financiados por meio de recursos públicos e juros subsidiados para que as empresas do setor possam arcar com as estruturas.
Problema crônico
Esse cenário cria um ciclo de dificuldades no armazenamento. “A falta de infraestrutura tem sido um problema crônico”, explica Adriano. “A capacidade de armazenamento do Brasil cresce em um ritmo bem abaixo do crescimento da produção agrícola, o que acentua o déficit a cada ano”, completa.
O problema se agrava em anos de boas safras, quando a capacidade de estocagem já está saturada e, além disso, há a retenção de produtos agrícolas da safra anterior. Em muitos casos, o preço de mercado não favorece a venda dos produtos armazenados, levando os produtores a deixá-los estocados nas unidades de armazenamento por mais tempo, aguardando uma valorização no preço. Esse acúmulo de produtos agrícolas nas unidades de armazenagem torna a situação ainda mais crítica, pois a chegada da nova safra só aumenta a pressão sobre a infraestrutura já sobrecarregada.
Crise logística
O efeito disso é um aumento da dificuldade no processo de armazenamento, com o País enfrentando uma verdadeira crise logística. A cada ano, o número de grãos produzidos cresce de forma mais expressiva do que a capacidade estática de armazenamento, o que torna o problema cada vez mais urgente. O desafio agora é encontrar soluções para ampliar a capacidade de estocagem, de modo a atender o aumento da produção e evitar que a falta de armazéns comprometa a eficiência do setor agrícola brasileiro.
Em relação aos investimentos por parte do governo federal para ampliar essa capacidade de armazenamento, há programas específicos, entretanto, faltam recursos. O Brasil enfrenta um desafio contínuo em relação à falta de recursos para ampliar sua infraestrutura de armazenamento agrícola. Embora existam programas governamentais voltados para o setor, a realidade é que os recursos disponíveis são escassos e, muitas vezes, insuficientes para suprir o déficit de armazéns no país. Como explica Adriano, “quem tem maior poder de influência consegue acessar esses recursos, mas eles são rapidamente esgotados e não atendem a toda a demanda”. Isso leva muitos produtores a buscar alternativas, como o investimento próprio ou financiamento por meio de outras fontes bancárias.
Longo prazo
No entanto, o investimento em infraestrutura de armazenagem exige um comprometimento de longo prazo. Por isso, muitas empresas não têm recursos próprios suficientes para arcar com o custo de construção de armazéns. Existe, ainda um fator importante a ser considerado: algumas indústrias, como as de etanol, que demandam milho como matéria-prima, têm a capacidade financeira de investir em seus próprios armazéns. “Essas indústrias podem utilizar recursos próprios para atender suas necessidades de armazenamento”, afirma. Porém, de forma geral, esse não é o padrão. A maior parte dos produtores ainda depende de programas governamentais, que, como já mencionado, são limitados.
A falta de recursos, então, é um entrave significativo. Se fosse necessário construir novos armazéns para, ao menos, equilibrar a capacidade atual com a demanda, seriam necessários investimentos de dezenas, talvez até centenas de bilhões de reais. Isso mostra a magnitude do desafio e a urgência de uma estratégia mais eficaz para atender à crescente demanda por armazenagem no Brasil, o que poderia garantir maior eficiência no processo de comercialização e segurança alimentar para o país.
E qual a solução?
De acordo com o engenheiro agrícola, para resolver o problema da falta de armazenamento no Brasil, é essencial criar um programa nacional de incentivo aos produtores para a construção de armazéns nas propriedades agrícolas. Esse programa deve oferecer recursos com juros subsidiados, estimulando os agricultores a investir em suas próprias estruturas de armazenagem.
Com isso, seria possível aliviar a pressão sobre os armazéns existentes, especialmente durante a safra, e reduzir o déficit de capacidade de armazenamento. “A implementação de um programa com recursos suficientes poderia, em até 5 anos, eliminar esse déficit de forma eficaz”, acredita Adriano Afonso.