Cotidiano

Adeus, Darwin

Dá-me dor no coração e coceira no cérebro pensar que o querido Charles Darwin, autor da grandiosa obra ?A origem das espécies? está sendo (ou já foi?) ultrapassado pela revolução cibernética e da era digital.

Historicamente, a teoria de Darwin tem sido considerada certa e fundamental para o saber da evolução das espécies e aponta para o que mais sabemos acerca de nós mesmos. Mas sua teoria sobre a evolução vai perecendo diante das evidências da imagética e das peripécias transcendentais da realidade virtual.

Vale a pena trazer à discussão as lembranças do já clássico filme ?Tron?. Ali, o cinema nos mostra, em suas duas versões magistrais, a ascendência do prisma da ?técnico-dromologia?. Aqui uma pequena nota explicativa: dromo = velocidade, como em nosso Sambódromo; na já tradicional corrida de cavalos (hipódromo); ou no super velódromo da Fórmula 1. Tempo da Velocidade nas extensões e variações do próprio tempo já dentro do nosso indispensável computador. Já não são mais imprescindíveis a matemática euclidiana ou a física de Newton (pesos, medidas, relógios de cordas etc). Hoje, é dominante a matemática fractal ? a Terra não é mais redonda e menos se parece com uma bola. Estamos já vivendo a física dromológica, atual odisseia eletrônica, nela estamos todos emborcados.

Assim como o futurista cinema dos anos 30 aos 60 do século XX nos mostrava Flash Gordon em suas viagens interplanetárias, quem diria que sairíamos da órbita terrestre com o Sputnik, de Gagarin; depois a Lua, caminhando para e pelo espaço sideral; daqui a pouco Marte ? como nos incendiava a nossa mente, inicialmente com o magistral ?Odisseia no espaço?; agora, com ?Perdido em Marte!?

A segunda história técnico-dromológica está no filme ?Transcendence ? A revolução?: fascinante cinema que antecipa nosso futuro com o uso intensivo da tecnologia-velocidade em suas variações e extensões infinitas. Com a vigorosa atuação de Johnny Depp, como Dr. Will Caster, neurocientista de Inteligências Artificiais que constrói máquinas conscientes conjugando informações sobre todo tipo de conteúdo e a grande variedade de emoções. ?Quando poderemos fundir a deslumbrante e altíssima tecnologia com a permanência (da espécie) humana?? Mais tarde, Dr. Caster sofrerá oposição de guerrilheiros antitecnologia e aí, como nos filmes de Hollywood, a luta do bem contra o mal se estabelece.

Mas os sinais da ultrapassagem virtual tomam forma construtiva. Com a inicial ajuda da mulher e assistente, vivida pela estranha beleza de Rebecca Hall, Dr. Caster constrói a cidade cibernética, assim como Las Vegas, no deserto de Nevada, fincou o hiper-realismo dos jogos de azar! Aqui é a ciber-cidade governada pelo neurocientista que transfere sua consciência para a máquina e daí em diante passa a viver sua saga.

Tudo isso aponta para novas fronteiras pós-humanas, como a robótica que vai substituindo o nosso trabalho braçal, como vivenciei em fábricas de automóveis no Japão, já nos anos 90. Resta-nos poder compartilhar esse capital ? que não é mais tanto o da riqueza material, mas o da velocidade ? e peregrinar nessas infovias, como nova cultura influenciando as relações globais (ambíguas), onde coabitam estados, ?econologias? (economias e ecologias), sob o comando das tecnologias-redes. Estamos pisando no acelerador para zarpar desse nosso pisar sobre a Terra, onde já não há mais baldeação, pois nos resta rumar e não perder de vista o que somos e como somos.

Os sobressaltos que vamos vivendo, certamente, assustariam nosso Darwin, que preferiu velejar em seu veleiro Beagle pelas costas brasileiras, que com sua teoria do mais adaptado e forte bem revela nossa essência humana! Mas o fato é que continuaremos a construir esse futuro redivivo na realidade virtual e imagética! Salve-se quem puder ou já não nos interessa a salvação? Sim ou não, por favor, queiram se sentar e apertar bem os cintos!

Clóvis Brigagão é professor do Iuperj/Ucam