Comecemos com uma analogia: os municípios formam a massa corporal da Federação, os estados ocupam o lugar do coração e o cérebro é a União. Se a massa corporal padece de mazelas ou se o coração sofre graves distúrbios, o cérebro não terá condições de resistir. Fenece. Pois bem, por melhores que sejam expectativas em torno do Governo Bolsonaro, as partes do corpo nacional carecem de intenso tratamento. Essa é a condição para termos um país com boa saúde financeira e capaz de suportar os abalos que costumam levar nossa economia para a UTI.
Em outros termos: a vitalidade de um país exige que todas as partes que o compõem sejam devidamente cuidados. A saúde da Federação há de contemplar uma receita sistêmica, global, sem o que aparecerão descompassos, comprometendo sua sanidade. Donde se extrai esta inferência: os entes federativos precisam passar por rígido programa de controle de saúde fiscal-financeira, melhorar índices de produtividade e, dessa forma, garantir condições para seu desenvolvimento.
O diagnóstico é péssimo. A dívida bruta de estados e municípios com a União chegou a R$ 908 bilhões. Centenas de prefeituras do País (entre as 5.570) e mais da metade dos estados deixam de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, estourando o limite de gastos com pessoal e ingressando no inferno da insolvência. As administrações não podem destinar mais de 50% da receita corrente líquida à folha de pessoal. Em alguns estados, o comprometimento ultrapassa 75%, chegando-se ao estouro da boiada, como é o caso do Rio Grande do Norte, onde esse índice é de 86%.
A crise fiscal de municípios e estados se agrava há tempos. De 2010 a 2016, as receitas primárias de estados se mantiveram estáveis, mas o orçamento com pessoal ativo e inativo cresceu 6,5 pontos que, somados ao custeio, aumentou a despesa em 9,9 pontos percentuais. Em outros números, a média do crescimento real com gasto de ativos e inativos aumentou em 57%. Em cinco estados, esse gasto ultrapassou 80%. O PIB real cresceu apenas 52,61% no mesmo período. Estados poderosos no passado, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul afundam no poço do desequilíbrio fiscal-financeiro. Outros, como o RN, estão na UTI dos doentes terminais.
Explica-se assim a precariedade dos serviços públicos: cada vez mais há menos recursos para a execução de políticas públicas, abrindo imensas crateras no bojo social, com danos visíveis nas frentes de saúde e segurança pública. Uma estética de miséria emoldura os corredores de hospitais, superlotados de doentes, enquanto nas vias públicas a população assiste à depredação de patrimônios. Uma calamidade.
O maestro Paulo Guedes atua na esfera cerebral da Nação, devendo arrumar propostas para a recuperação de estados e municípios, com realce para ações na área da tributação, incentivos aos segmentos de mão de obra intensiva, e corte de braços de estatais, com sua passagem para a iniciativa privada. Um Estado menor constitui alavanca do empreendedorismo. O país carece de investimentos para animar o ambiente de negócios. E de outras iniciativas como melhoria do regulamento ambiental, revisão da lei de falências etc.
Prioridade nº 1: aprovar a Reforma da Previdência, decisiva para viabilizar a administração federal.
Em suma, a saúde da Nação exige que todas as partes do corpo recebam remédios adequados.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato
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O diagnóstico é péssimo. A dívida bruta de estados e municípios com a União chegou a R$ 908 bilhões
Explica-se assim a precariedade dos serviços públicos: cada vez mais há menos recursos para a execução de políticas públicas