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Chacina no Oeste reabre a polêmica sobre saúde emocional dos policiais

Chacina no Oeste reabre a polêmica  sobre saúde emocional dos policiais

O que levaria um homem a matar seus próprios filhos com tiros na cabeça, a esposa, esfaquear a mãe até a morte, matar o irmão, tirar a vida de mais duas pessoas desconhecidas e, finalmente, cometer suicídio? A resposta que explicaria tudo isso ainda não foi encontrada, porém, a tragédia foi consumada pelo policial militar Fabiano Júnior Garcia, de 37 anos que trabalhava no 19º Batalhão de Polícia Militar de Toledo e estava há 12 anos na corporação.

Depois de concluir seu trabalho de rotina na noite de quinta-feira (14), cumprindo seu dever de proteger a sociedade, Fabiano “virou o jogo” e cometeu a chacina. Ele matou oito pessoas, incluindo enteada de 12 anos e dois filhos menores de 8 e 4 anos. O soldado saiu do serviço por volta das 19h, em Toledo, quando foi até a casa da esposa, Kassiele Moreira (28 anos) onde a matou e sua filha de 12 anos.

Na sequência, foi até a casa da mãe (78 anos) e a executou com várias facadas e matou o irmão (50 anos) a tiros. Depois disso, descolou-se de Toledo até o interior da cidade de Céu Azul, em um sítio, onde os dois filhos passavam férias na casa de uma tia e matou os pequenos. Imediatamente Fabiano retornou à Toledo, onde ainda matou dois jovens que encontrou andando na rua e em seguida, ao chegar em frente à sua casa, tirou a própria vida dentro do carro.

 

“DESCULPA, DESCULPA”

Neste período entre as execuções ele ainda acabou mandando vários áudios para familiares e colegas de trabalho dele, sempre com o pedido de desculpas pelos atos cometidos.

“Família me desculpa! Me desculpa! Me desculpa, mas eu não ia conseguir viver mais sem a Kassiele Moreira (sic)”, diz trecho de um dos áudios que Fabiano enviou para familiares e colegas. Neste áudio, o militar fala da separação com a esposa e relata problemas com depressão, jogos e dívidas e completa: “Para não deixar peso para ninguém eu fiz isso”.

Nas declarações do comando da PM e de colegas, Fabiano era considerado um soldado com boas qualificações e desempenho, de confiança e era visto como uma “pessoa tranquila”. A PM confirmou que ele não tinha histórico de problemas psicológicos e inclusive era motorista do coordenador do policiamento da unidade, função destinada aos “melhores”.

 

Policiais doentes?

O fato que chocou toda a sociedade, com repercussão nacional, acaba reabrindo a polêmica sobre a saúde mental e emocional dos policiais. Ricardo Feistler, advogado da Afpol (Associação da Família Policial) e da Associação Vale do Sol, atende cerca de 5 mil policiais da região Oeste e convive diariamente com relatos, processos e queixa dos policiais militares que, segundo ele, é a categoria mais desamparada na estrutura da segurança pública.

O advogado da área criminalista salientou que o problema é muito maior do que a sociedade imagina e começa pelas as condições de trabalho, salário e jornada. “Eles não têm jornada fixa, dependem diretamente da ordem do comando e ainda precisam cumprir uma jornada extra de 6h por semana”, disse Ricardo, complementando que há seis anos os policiais não recebem nem a reposição da inflação, perdas que refletem diretamente na qualidade de vida e saúde dos profissionais.

Feistler afirma que os policiais acabam sofrendo pressão de todos os lados: comando, colegas, familiares e pela sociedade, sendo uma profissão de alto risco e que não é devidamente valorizada. “É a categoria mais desvalorizada dentro do setor da segurança pública. Um policial que pega um atestado psicológico vira motivo de chacota, sendo mal visto inclusive pela a instituição que o enxerga como uma pessoa com frescura”, classificou o advogado.

 

Sem efetivo

Outro problema, relatado por Ricardo Fleister que defende muitos profissionais por meio da associação, é a falta de efetivo, situação cada vez complicada. Para ele, o Paraná tem uma polícia honesta, mas com policiais desamparados. “O Governo já anunciou que vai criar novos batalhões, mas não tem quem colocar para trabalhar”, criticou, cobrando uma gestão mais eficiente da direção da Polícia Militar, que pense no trabalhador que arrisca a sua vida todos os dias para defender a sociedade.

 

Endividados

Segundo Feistler, aliado ao problema emocional dos policiais, outro de grande impacto é o financeiro. Segundo levantamento da associação, cerca de 90% do efetivo está endividado. Para se ter uma ideia, o salário médio líquido de um policial com patente de soldado gira em torno de R$ 5 mil com o auxílio alimentação. Quem quiser complementar o valor com a jornada extra, de até R$ 1,5 mil, aumenta a carga de trabalho e, naturalmente de estresse.

A “jornada extra”, avalia o advogado, é uma forma de conseguir “tapar os buracos” abertos pela a falta de efetivo, o que acaba sobrecarregando os policiais. “Isso afeta diretamente na qualidade de vida, porque eles não têm legislação que determine um tempo de descanso a ser seguido”, falou, apontado a falta de um atendimento psicológico dentro dos batalhões, que ocorre a critério da avaliação do comandante, que pode ou não solicitar apoio do profissional do Estado.

 

Tragédia é reflexo

Sobre o fato ocorrido em Toledo, o advogado comentou que a tragédia demonstra a tensão vivida por muitos profissionais, que não são ouvidos e que só “cumprem ordens”. “É uma tragédia! O que ocorreu, pela análise que posso fazer, foi a gota d’água na vida dele”, disse o advogado que teme pela a categoria que tem cada vez mais profissionais com problemas psicológicos e, por serem recriminados e responderem por isso, usam a associação para poder se manifestar.

 

Quem protegem a sociedade reclamam da falta de proteção

Para entender melhor o desamparo relatado pelo advogado da Afpol (Associação da Família Policial), a reportagem Jornal O Paraná buscou ouvir os policiais. Todos que concordaram em conversar terão suas identidades preservadas.

Um soldado da PM contou a reportagem que grande parte do efetivo sofre para cumprir situações que lhes são impostas. “Há uma exigência de que a viatura esteja limpa e em bom estado. Porém, a grande maioria dos batalhões não tem estrutura para isso, ou seja, a equipe precisa se virar, encontrar alguém que faça o serviço de cortesia ou ainda pior, pagar do bolso”, relatou, completando que “a pressão é tão grande, que o policial não escolhe o corte de cabelo, a cor da unha, aliás, nem casar ele pode, sem pedir autorização”.

Outro ponto de pressão é em relação a processos internos. “Somos punidos antes do julgamento. Somos condenados antes mesmo do processo ser aberto, com transferência e outras medidas, isso quando não abrem processos contra o policial sem motivo plausível, com o intuito de pressionar. O ônus da prova, para os praças, é invertido. Na legislação o ônus da prova é de quem acusa, para os praças, é pra quem foi acusado”, desabafa.

 

DESAMPARADOS

O principal ponto que afeta a saúde mental dos policiais e que tem desmotivado a tropa é a questão salarial. Mesmo com o reajuste salarial sancionado pelo Governo do Estado, em março, dentro do prazo imposto pela legislação eleitoral, o problema ainda não foi equacionado. O reajuste dos salários das forças de segurança variou entre R$ 300 e R$ 1.000, sendo o maior para cargos da base e o menor para o topo de carreira. “Muitos policiais estão tendo dificuldade para se manter e o policial não pode fazer greve, ou seja, não temos a quem recorrer”, relatou um dos entrevistados.

O militar relatou ainda que se ele se atrasa para o trabalho, vai ser punido, o que atrapalha o profissional para o resto da carreira. “Se tem um pouco mais de punições, já não pode ser promovido”, disse, ressaltando que se o policial que faz coisa errada, deve ser punido, “mas tem muitas punições que são injustas e, muitas vezes, é pessoal”.