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Capitais da Europa querem pedagiar e restringir zonas para diminuir fluxo de carros

Cidades como Madrid, Paris e Bruxelas enfrentam questões legais e convivem com apoio popular e protestos por motivos que giram em torno do automóvel

Capitais da Europa querem pedagiar e restringir zonas para diminuir fluxo de carros

Das muitas coisas estranhas que aconteceram na Europa no ano passado, poucas eram mais inesperadas do que uma legião de manifestantes em coletes amarelos bloqueando ruas e estradas de cidades da França. Quebrando janelas de Paris por causa de uma decisão envolvendo o aumento do preço do combustível, o movimento gilet jaune cresceu rapidamente e hoje é uma ameaça vigorosa ao mandato do presidente Emmanuel Macron.

Não é necessariamente a escala ou intensidade desses protestos que choca — a França, antes de tudo, é um país com uma tradição de protestos. O que surpreende é o que os incentivou a ir às ruas: os impostos sobre a gasolina. “Isso diz muito sobre 2018: que o que teria sido uma pequena questão uma década atrás agora virou um debate central”, diz o cientista político Humberto Azevedo, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Para ele, os protestos franceses são apenas o exemplo mais evidente de um fenômeno amplo na Europa em que a luta para controlar as emissões de gases no ar por causa do aquecimento global — e para regular os carros, que produzem a poluição cotidiana — se tornou um tema vertebral para cidades e nações inteiras.

Enquanto motoristas franceses protestam por causa dos preços do combustível, autoridades europeias ao redor do continente trabalham para cortar o uso de carros com um novo conjunto de leis imaginado em uma escala nunca vista. Essas regulações “anti-automóveis”, mais do que isso, estão sendo propostas com grande apoio popular.

Graças às mudanças realizadas no ano passado, o ar em algumas cidades da Europa já é mais limpo. A grande mudança em 2018 veio de Madrid, na Espanha, que em uma lei para diminuir os congestionamentos e a poluição proibiu o trânsito de carros de não-residentes de circular no centro da metrópole.

As novas medidas madrilenhas são apenas a versão metropolitana de 138 proibições similares planejadas por administrações municipais espanholas atuais. Elas não devem estar completamente implementadas até 2025 — e até lá os governos deverão ter mudado –, mas o grande nível de apoio que a política recebeu talvez fará com que ela permaneça na agenda.

Uma recente pesquisa feita na Espanha mostrou que 63% dos entrevistados em todo o país apoiam a ideia de banir a circulação de carros em determinados locais das cidades do país — uma grande demonstração da mudança de percepção nacional.

Madrid não foi a única cidade a implementar regulações à poluição automotiva neste ano. Seguindo o exemplo dado por Paris, em 2016, Bruxelas, na Bélgica, também começou a restringir veículos com grandes taxas de emissão de gases na atmosfera que entram em “zonas de baixas emissões” em outubro. Madrid, Paris e Bruxelas trabalharam juntas para mudar o que elas criticam na União Europeia: a falta de controles institucionais às emissões dos carros. Essa frouxidão começou em 2016, quando a UE diminuiu suas regulações sobre novos veículos, permitindo que seus motores emitam até o dobro de poluentes inicialmente acordados quando as primeiras medidas foram tomadas, em 2007.

Os fabricantes têm até o final do ano para retornar aos padrões de emissões originais, um resultado que a prefeita de Paris, a espanhola Anne Hidalgo, classificou como o fim de uma era em que as “montadoras e os lobbies industriais ditavam as regras que regulavam alguns dos nossos produtos mais poluentes”. A nova regra vai permitir que as três capitais proíbam todos os carros movidos a diesel feitos antes de setembro de 2018, apertando suas provisões atuais. Além disso, a UE também acordou que vai exigir da indústria automotiva que diminua as emissões de CO2 para 37,5% até 2030.

Em alguns locais, essa batalha já está sendo vencida: a vice-prefeita de Oslo, na Noruega, Hanna Elise Marcussen, cidade que recentemente aumentou o custo do pedágio para entrar em sua área central, disse ao jornal New York Times que ela sonha com o dia em que dirigir um automóvel no centro da uma cidade será inaceitável — assim como já são hoje as propagandas de cigarro.

No entanto, essa campanha também gerou reações ferozes, como a que aconteceu em Paris, há três anos: a decisão de banir carros nas margens do Rio Sena encontrou um desafio legal colocado pelas associações de motoristas e pelas administrações suburbanas que questionaram as bases dos estudos de viabilidade que afirmam acabar com a poluição. A proibição sobreviveu porque a capital francesa evitou a questão da poluição emoldurando a regra para “proteger o patrimônio cultural e histórico”, um argumento que convenceu os juízes no julgamento realizado no final de 2018.

Essa batalha judicial, no entanto, não pode ser comparada com a raiva provocada pela medida anunciada por Macron em outubro, quando um movimento de base começou contra o plano de aumento de tarifas cobradas na França sobre o diesel e o petróleo. A reação do governo francês foi insistir em afirmar que a medida significava a transição para o consumo de energia sustentável, mas uma pesquisa feita no começo de dezembro revelava que o preço do combustível se tornou o principal ponto de discórdia francês.

O movimento foi nomeado de “gilet jaunes” (“coletes amarelos”) porque os manifestantes vestem os coletes fluorescentes que todos os motoristas precisam, por lei, carregar em seus veículos. Mas o que começou como um protesto contra o aumento do combustível agora se transformou em um movimento antigovernista que se expandiu pela sociedade francesa — muito por causa do carro.