Um extraterrestre que pousasse no Maracanã poderia achar que estava diante de uma multidão vítima de uma bipolaridade peculiar, quase cronometrada. Quando soou o apito inicial no estádio, era o Ceará, adversário da tarde, que sofria com as vaias da torcida vascaína. Cerca de 35 minutos depois, eram o toque de bola do Vasco e o presidente do clube, Eurico Miranda, que recebiam gritos de reprovação e xingamentos das arquibancadas.
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Foi o time vascaíno retornar dos vestiários para o segundo tempo, no entanto, e a torcida explodir em alegria: primeiro pela substituição de Diguinho, principal alvo das vaias, e pouco depois pela virada com dois gols de Thalles, tudo isso a intervalos de dois minutos. A racionalidade da emoção vascaína, que flutuava entre comemorar a vitória e se indignar com as circunstâncias que a tornaram tão difícil, seria demais para um mero extraterreste.
Antes das 15h, faltando mais de duas horas para o início da partida, torcedores se aglomeravam diante de um bar próximo aos acessos B e C, que levam para o setor Sul, o famoso “lado direito” do Maracanã ? preferido da torcida do Vasco. Xingamentos, ali, só para os clubes rivais no futebol carioca, em músicas provocativas. A Rua Eurico Rabelo, local do “esquenta”, foi fechada para carros por volta das 15h40m.
Havia uma linha tênue, porém, entre a festa aparente e o descontentamento latente com a situação do time, que desandou na reta final da Série B: nas últimas 10 rodadas, o desempenho do Vasco só foi melhor do que três rebaixados (Bragantino, Sampaio Corrêa e Tupi), além de Oeste e Paraná, que brigaram contra a queda até o fim.
? O único sentimento é indignação. Pode ver que muita gente escolheu vir com o uniforme preto, para mostrar luto com a situação do time ? afirmou o torcedor Sérgio Gustavo, de 29 anos, que trazia no peito um adesivo com os dizeres “É o Eurico quem tem que cair”.
A opção pelo uniforme preto foi um dos protestos combinados nas redes sociais pela torcida do Vasco, que chegou a propor uma vaia de cinco minutos ao fim do jogo, mas que não durou tanto. Além de uma caminhada do Maracanã até São Januário, seja qual fosse o resultado.
Se o clima era tenso antes da partida, a situação não melhorou muito depois do apito inicial. Os mais de 50 mil vascaínos no Maracanã até tentavam apoiar o time no início, cantando alto, mas a presença constante do Ceará no ataque foi torrando a paciência no fim de tarde carioca. Um alento chegou de Recife aos 20 minutos, quando Pedro Carmona abriu o placar para o Oeste sobre o Náutico, resultado que garantia a subida do Vasco. Parte do Maracanã comemorou como um gol do Vasco quando o time sequer estava no ataque.
? Até pensei em trazer o fone para saber do jogo do Náutico pelo rádio, mas esqueci. Foi até melhor, assim fico menos nervoso ? disse o eletricista Amarildo Ferraz, de 44 anos.
Minutos depois, quando o Ceará abriu o placar e o Oeste ampliou sobre o Náutico, o que acontecia no gramado do Maracanã tornou-se irrelevante para a torcida do Vasco. Os últimos 10 minutos do primeiro tempo se resumiram a vaias e xingamentos direcionadas a Eurico Miranda. Álvaro, um de seus filhos, mostrou clara irritação, nos camarotes, com torcedores que protestavam voltados na direção dos dirigentes vascaínos. Quanto mais Álvaro se irritava, mais inflamava a massa vascaína. Um copo de cerveja chegou a voar em sua direção. A torcida só lembrou do jogo quando, terminado o primeiro tempo, vaiou a saída do time em uníssono.
A alegria voltou com a inversão no placar, que trouxe mais do que o famoso grito de que o Vasco é o time da virada. Trouxe um novo estado de espírito. O clima havia mudado de tal forma que houve tempo até para uma “ola”, com direito a duas voltas pelo estádio ? algo inimaginável ao fim do primeiro tempo. A revolta angustiada deu lugar ao alento de ver o Vasco se portar como time gigante novamente, por alguns minutos. Foi o suficiente desta vez.