Esportes

Para vencer muro financeiro e cultural, golfe busca tacadas de ouro no Panamá

Herik Machado_12jan.jpgCIDADE DO PANAMÁ – Tempo é um elemento quase esquecido no golfe, cujas partidas podem beirar cinco horas de duração. Para os seis jovens brasileiros que disputam desde quinta-feira o Campeonato Latino-Americano (LAAC, na sigla em inglês), contudo, as tacadas são como ponteiros que avançam em contagem regressiva. O torneio dá ao campeão um convite para jogar o Masters, considerada uma das quatro competições profissionais mais importantes do mundo e disputada em Augusta, nos EUA. Trata-se de um atalho desafiador dentro de uma trilha íngreme a ser cumprida antes de Tóquio-2020. Golfe no Panamá
A Confederação Brasileira de Golfe (CBG) trata o grupo que viajou ao LAAC – formado por Herik Machado, Daniel Ishii, Pedro Nagayama, Gustavo Chuang, Marcos Negrini e Rohan Boettcher – como aposta para os próximos ciclos olímpicos, começando por Tóquio. Para buscarem vaga, os seis terão que deixar de ser amadores e entrar em circuitos profissionais, que passarão a contar pontos na corrida olímpica dois anos antes dos Jogos. Passar temporadas no exterior será inevitável para os golfistas, que hoje treinam em clubes brasileiros: o país não abriga circuitos de grande porte, apenas uma etapa do PGA Latino e uma do Web.com.
O tempo é curto para administrar o forte choque técnico da transição para o mundo dos profissionais — exemplo disso é costarriquenho Paul Chaplet, campeão do LAAC em 2016 e último colocado no Masters.
– Olimpíada sempre é o maior sonho de qualquer atleta, não tenho dúvida disso. É difícil avançar tão rápido a ponto de conseguir uma vaga já em Tóquio, mas quem sabe? A partir do momento que você vira profissional, as coisas acontecem em um ritmo diferente – afirma Daniel Ishii, de 24 anos, o mais velho entre os brasileiros no LAAC.
No caso do Brasil, o desafio de formar gerações olímpicas de golfistas caminha ao lado da busca por fomentar uma cultura do esporte no país. Enquanto os principais atletas de países como EUA e Austrália deram de ombros ao retorno da modalidade ao calendário olímpico em 2016, o golfe brasileiro viu nos Jogos do Rio seu momento de maior incentivo, tanto pelo incremento de verbas federais repassadas à confederação quanto pela construção do Campo Olímpico da Barra, o primeiro campo de tamanho oficial e uso público no país.
MENTALIDADE OLÍMPICA
Em tese, o desinteresse de golfistas profissionais nos Jogos Olímpicos poderia abrir espaço a países menos tradicionais no esporte, como o Brasil. Ironicamente, o Rio de Janeiro pode ter mudado a mentalidade dos principais atletas do mundo. Euclides Gusi, recém-empossado presidente da CBG, acredita que os jogadores foram convencidos na prática da importância da Olimpíada, que não paga os vultuosos prêmios em dinheiro do circuito profissional.
– Não acho que as ausências dos maiores golfistas vão se repetir daqui em diante. O Justin Rose, campeão no Rio, fez questão de exibir a medalha de ouro olímpica no primeiro torneio que disputou depois dos Jogos (The Barclays, uma etapa do PGA Tour). É algo semelhante ao que aconteceu com o tênis, que não contou com vários top 10 quando voltou aos Jogos (em Seul-1988). Houve um estranhamento inicial, que depois se corrigiu – diz Gusi.
Volta e meia citado por dirigentes e atletas do golfe como exemplo a ser repetido de popularidade e cultura olímpica, o tênis também sofre no Brasil da (má) fama de ser um esporte de elite, pouco acessível para quem tem menos poder aquisitivo. No caso do golfe, os custos de participação nos principais circuitos profissionais chegam a dezenas de milhares de dólares.
Gusi defende que o acesso restrito não está no DNA do golfe. Um exemplo citado pelo presidente da CBG é o gaúcho Herik Machado, atual nº1 do ranking brasileiro amador, que veio de uma família de classe média baixa de Santana do Livramento. Apresentado ao esporte através de uma prima que trabalhava como caddie (carregadora de tacos), Herik deu suas primeiras tacadas aos 10 anos, através de um projeto social no clube da cidade.
QUEBRA DE PARADIGMAS
Hoje, com 19 anos, desponta como o principal nome da nova geração. Na sexta-feira, Herik teve bom desempenho e terminou a segunda rodada do LAAC com 67 tacadas, três a menos que o “par” — número estipulado como necessário para completar o trajeto de 18 buracos). Com o resultado, praticamente se garantiu na fase decisiva, que totaliza 36 buracos e será disputada no sábado e no domingo.
– Gosto do golfe porque não jogamos contra um rival específico, e sim contra o campo. Não tive nenhuma motivação especial para chegar até aqui. Só fui jogando – diz Herik, que não deseja ver sua trajetória como exceção. – Para mim foi mais fácil porque entrei no projeto social e não precisei tirar dinheiro do próprio bolso. O golfe poderia ser mais inclusivo.
No golfe, a distinção entre amadores e profissionais tem menos a ver com a “abnegação esportiva” pregada na origem dos Jogos Olímpicos, e trata-se mais de um recorte técnico, uma etapa de desenvolvimento dos atletas. Para o diretor-técnico da CBG, Nico Barcellos, a busca pelo golfe profissional – objetivo de Herik e da vasta maioria dos participantes do LAAC -, com seus atrativos financeiros, não é empecilho para gerar uma cultura olímpica.
O problema parece vir do caminho inverso: ter mais chances de disputar uma Olimpíada, através da pontuação no mundo profissional, exige cifras que parecem insistir em erguer barreiras econômicas no mundo do golfe.
– Herik e Daniel viajaram para mais de 20 torneios em 2016. Isso já é uma rotina de jogador profissional. Esses garotos são nossas apostas e sabem a importância dos Jogos. Só que entrar no circuito profissional exige muito dinheiro – resume Barcellos.
*O repórter viaja a convite do LAAC