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O carioca que adotou o deserto: brasileiro naturalizado qatari vai disputar primeira Olimpíada

VOLEI QATAR 2.jpgQuando o carioca Jefferson Pereira entrou num avião para morar em Doha, em 2012, no meio dos Jogos Olímpicos de Londres, jamais imaginava que quatro anos depois estaria de volta ao Rio para disputar sua primeira Olimpíada. Tampouco passava pela sua cabeça que o vôlei de praia que aprendeu nas areias da Barra da Tijuca, ainda criança, fosse lhe permitir conquistar uma vaga olímpica inédita para o Qatar. Antes de se naturalizar qatari, em 2014, quase todos os dias ele pensava em regressar à sua cidade natal. O primeiro choque veio logo ao pisar na capital do país árabe. Acostumado com o calor carioca, ele custou a acreditar no que (ou)viu.

Vôlei de praia na Olimpíada

? O piloto disse que a temperatura em Doha era de 42 graus. Olhei para o meu relógio, vi que eram 23h e achei que tinha esquecido de trocar o fuso. Quando saí do avião, veio aquele bafão quente e úmido, comecei a passar mal com falta de ar, e corri para dentro chorando ? lembra Jeffferson, aos risos. ? Só queria voltar ao Brasil. Uma aeromoça brasileira me acalmou e me convenceu a pegar o ônibus para a cidade.

META É CHEGAR ÀS QUARTAS DE FINAL

Se a primeira impressão foi traumática, os cinco meses iniciais não foram muito melhores. Sem receber o salário prometido pelo clube de Doha que o contratou, o jogador ficou hospedado numa casa no deserto, a 40 minutos do centro de treinamento. Como não tinha dinheiro para comprar a própria comida, ficou refém de um cozinheiro indiano, que insistia em temperar as refeições com canela ? além do curry.

Não desceu bem. Quando o carioca começou a entrar em depressão e deu o ultimato, sob a ameaça de largar tudo e voltar para o Brasil, os árabes entenderam o carioquês direitinho:

? Eles são muito lentos para fazer tudo. Mas, da noite para o dia, me pagaram os salários atrasados e me mudaram para um hotel, em que havia bufê liberado.

Bem alimentado, ganhou novas forças. Ainda assim, ele penou para montar uma estrutura profissional para o vôlei de praia, que, por aquelas bandas, não podia ser considerado sequer um esporte amador, mas tão somente um lazer de fim de semana. Indicado pelo conterrâneo Anjinho ? um dos precursores da modalidade no Brasil ?, Jefferson começou a convencer os árabes de que valia investir seus petrodólares.

VOLEI QATAR 1.jpgCom o parceiro Tiago, brasileiro com o qual fazia dupla, ele ganhou torneios asiáticos e chamou a atenção.

? Como ganhamos com facilidade, eles apostaram na gente. Em 2014, os qataris decidiram nos naturalizar para jogar o Circuito Mundial. Me perguntaram qual era minha meta, e respondi que era jogar a Olimpíada. Agora, estou aqui, realizando esse sonho em casa, mesmo que seja pelo Qatar. Meu objetivo é chegar às quartas de final. Se eu permanecesse no Brasil, acho que não conseguiria ? compara.

Como os passos na areia são irregulares tais e quais os solavancos da vida, ele não estará acompanhado do seu conterrâneo. Quando começaram a ganhar o reconhecimento dos árabes, Tiago teve um problema de saúde e voltou para o Brasil, ainda em 2014. A segunda parceria de Jefferson, um egípcio do vôlei de quadra, durou apenas seis meses.

Quando o sonho de jogar uma Olimpíada parecia ficar ainda mais distante, apareceu Cherif Samba, o ?Xerife?. Com sobrenome musical, o senegalês ? também naturalizado qatari ? entrou no ritmo do brasileiro. O técnico carioca Pepê, que Jefferson ?importou? depois de uma negociação de quase um ano, confessa que pensou que Samba, no alto do seu 1,94m, não entraria no compasso.

? Ele era muito cru, mas evoluiu acima das expectativas treinando apenas dois anos como profissional. Saiu do zero. Não acertava nada. Foi uma surpresa para todo mundo. Se ele estiver inspirado, vai ser a sensação, como na Copa do Mundo, quando saiu em todos os jornais holandeses ? diz Pepê, que já treinara Jefferson quando ele tinha apenas 15 anos.

RIO OU DOHA?

Juntos, ficaram em quinto lugar na Copa do Mundo da Holanda, em 2015, e foram campeões da etapa do Irã do Circuito Mundial em fevereiro deste ano, conquistando a vaga olímpica. Há seis meses, o assistente técnico Wallace, que já treinou Bruno e Alison, juntou-se à equipe qatari.

Antes disso, Jefferson ganhou dois outros prêmios. O primeiro foi a modelo russa Lena Rychakova, com quem flertou pela primeira vez nas ruas de Pattaya, na Tailândia, em 2014. Como no Qatar é proibido beijar e trocar carícias em público, o namoro demorou a evoluir:

? No hotel em que eu morava, não podia nem levar mulher para o quarto. A distância dificultava, e falei para a Lena que ou casávamos ou terminávamos. Lá, eles não permitem que um casal more junto sem estar de papel passado.

O segundo e maior prêmio é a baixinha Sophia, sua filha de 1 ano e 2 meses, que já brinca com a bola de vôlei. Sabe mais russo do que o pai, que só fala português com ela. Lena também arranha algumas palavras na língua de Camões. Questionada sobre o que mais gosta no Brasil, ela é rápida na resposta.

? Meu marido ? ri, para, em seguida ganhar a simpatia dos cariocas. ? Prefiro o Rio a Doha.

Também não é muito difícil. Difícil foi dar a volta por cima. Na cidade de casas e prédios monocromáticos em tons de bege por conta da sujeira que o vento traz do deserto, Jefferson levantou a poeira. Agora, o moleque criado na Praça Seca, em Jacarepaguá, quer fazer história nas areias úmidas da arena de Copacabana.

Logo na estreia, no sábado à tarde, ele e Xerife enfrentarão os americanos Jacob Gibb e Casey Patterson, sextos colocados no ranking mundial. Na sequência, o desafio será contra os espanhóis Pablo Herrera e Adrian Gavira, campeões europeus em 2013. O jogo decisivo será contra os austríacos Clemmens Doppler e Alexander Horst, classificados na repescagem.

Chegue aonde chegar, Jefferson pode ter a certeza de que está em casa, com a torcida a seu favor. Terá o apoio da família, como sempre foi, desde os 6 anos, quando deu suas primeiras cortadas na bola, enquanto esperava a irmã, Jaqueline, no treino de vôlei de quadra do Vasco.

? Minha mãe me dava a bola para ficar brincando, e o treinador apostou em mim, mesmo pequeno ? recorda.

Aos 27 anos, ele cresceu, está de volta e quer eternizar suas marcas na areia olímpica.