Esportes

Da Baixadapara afama emChambéry

Rio, Jogos Pan-Americanos 2007. Nas arquibancadas, João Pedro Francisco da Silva, um menino de 13 anos de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, louco por handebol, vê as semifinais da modalidade, categoria masculina, em que a seleção brasileira enfrenta o Uruguai. Extasiado, vibra com a vitória canarinha por 28 a 16. Rio, Jogos Olímpicos 2016. O agora jogador João Pedro nem imaginava ? talvez apenas sonhasse ? que, nove anos mais tarde, vai viver a emoção de o Brasil ser aclamado no esporte que tanto ama, mas por outro ângulo: de dentro da quadra e, agora, no maior evento esportivo do planeta.

Aos 22 anos, o atleta do Chambéry, time de cidade de 56 mil habitantes no leste da França, vive momentos de nostalgia e esperança no auge da carreira. Tanto que aproveitou a semana livre, antes do confinamento na Vila dos Atletas, para fazer uma visita onde tudo começou. Na última terça-feira, ele esteve no Colégio Estadual Antônio da Silva, no bairro de Comendador Soares ? ainda hoje conhecido e famigerado como Morro Agudo ?, em Nova Iguaçu. O carinho, tapinhas nas costas, de alunos e ex-professores foi imediato.

? Meu irmão mais velho, Marcos, começou a jogar handebol aqui na escola. Nossos pais nos incentivavam muito a praticar esportes. Eu nem conhecia o handebol. Gostava mesmo era de futebol, como toda criança. Mas, ao assistir a um jogo em 2005, fiquei arrepiado. Na hora pensei: ?Quero fazer isso também.? Foi meio que amor à primeira vista ? recorda João Pedro.

Sede do projeto social Nova Iguaçu Handebol Clube, hoje gerenciado pela ONG Inclusão Social através do Esporte e Cultura (Isec), que trabalha com cerca de 150 crianças e adolescentes, a unidade de ensino acabou atraindo mais um aluno por conta da atividade extracurricular.

? Primeiro, comecei a treinar aqui, mesmo sem estudar na escola. Aí, em 2006, fiz a matrícula. A partir daí, fui conciliando os estudos com o esporte. As pessoas me elogiavam, diziam que eu tinha jeito. E as coisas foram acontecendo ? lembra João Pedro.

O professor de Educação Física e treinador, Joel Teixeira, logo enxergou o potencial do pupilo:

? Eu avisei à mãe dele: esse menino vai alçar voos altos.

A atual presidente da Isec, Norma Barbosa, ex-jogadora de handebol e técnica da seleção brasileira de juniores no fim dos anos 1990, explica o que a chamou atenção na promessa:

? João era o mais alto do grupo (hoje o central tem 1,90m) e também habilidoso. Vimos ali que ele tinha o dom.

?Quadras pequenas e sem estrutura?

Foi naquele período, quando ainda estava sendo lapidado, que João Pedro viveu a experiência do Pan 2007, quando se descortinou para ele a possibilidade de ser um profissional do handebol.

? Eu estava acostumado apenas com quadras pequenas e sem estrutura, das escolas onde jogávamos em torneios. Quando cheguei ao Riocentro (onde foi disputada a modalidade), me surpreendi pela grandeza ? conta o atleta, então uma promessa. ? Fiquei fascinado ao ver a torcida pela seleção: assim que o time entrou em quadra, todo mundo gritou. Aquilo me arrepiou.

João Pedro recorda de estar ?vendo ídolos de perto, como o Mike? (goleiro, e único remanescente daquela equipe convocado para o Rio-2016).

? Não pude ir à final, mas torci muito e fiquei feliz com a medalha de ouro (na vitória contra Cuba). Tive muita vontade de estar lá com eles, de ser um deles. Eu era acostumado a jogar apenas tendo amigos e parentes na arquibancada torcendo ? rememora.

A transformação do sonho em realidade começou a acontecer em abril de 2009, quando ele recebeu uma ligação de São Paulo, mais especificamente do Esporte Clube Pinheiros.

? Era meu sonho se realizando. Um dos maiores clubes do Brasil! Não tinha como recusar ? explica João Pedro, ressalvando que nem só de flores foi semeado o caminho: ? No início deu muita saudade de casa, dos amigos. Cheguei a pensar em desistir. Ali o handebol deixou definitivamente de ser uma brincadeira, um lazer, e se tornou algo sério, minha primeira opção de vida.

Mas, com talento e perseverança, João Pedro seguiu em frente, subindo degraus. Do Pinheiros, foi para o Barcelona B, da Espanha, onde ficou em 2013 e 14. Ainda no país ibérico, jogou pelo Ademar León, na temporada 2014/15, até se transferir para Chambéry, no Sudeste francês.

? Na França, sou reconhecido na rua. As pessoas pedem para tirar fotos: trata-se de uma cidade pequena, onde todos se conhecem. Fico muito feliz com esse reconhecimento ? conta o central.

Em casa novamente, para a disputa da Olimpíada, João Pedro agora se prepara para o maior desfio de sua vida, enquanto tenta controlar as emoções. O Brasil estreia diante da Polônia, no dia 7, às 16h40m, na Arena do Futuro, no Parque Olímpico da Barra.

? Já ganhamos deles lá na Polônia, em 2015. Estamos evoluindo bastante e, hoje, podemos bater de frente contra qualquer dos europeus. Agora é segurar a ansiedade, porque isso pode atrapalhar. Temos é que fazer valer o nosso fator casa. Com certeza nossa torcida vai nos ajudar ? finaliza o central, conhecedor como ninguém do poder de uma arquibancada.