Escrito em 1975, “A Luta” foi a descrição do jornalista americano Norman Mailer (1923-2007) para a disputa de título mundial dos pesos pesados entre Muhammad Ali, morto neste sábado aos 74 anos, e o campeão George Foreman, diante de 60 mil pessoas no estádio 20 de Maio em Kinshasa (então Zaire, hoje República Democrática do Congo). Ali nocateou Foreman e recuperou o título dos pesados reconhecido pelo Conselho Mundial de Boxe e pela Associação Mundial de Boxe.
O parágrafo abaixo, um dos melhores da história da crônica esportiva mundial, está no livro. A tradução é de Claudio Weber Abramo, publicada no Brasil pela Companhia das Letras, em 1999.
“Faltando vinte segundos para o final do assalto, Ali atacou. Por sua própria avaliação, por aquela avaliação decorrente de vinte anos de boxe, com o conhecimento de tudo o que aprendera a respeito do que se pode e do que não se pode fazer em qualquer instante no ringue, escolheu aquela ocasião e, deitado nas cordas, acertou Foreman com uma esquerda e uma direita, saiu das cordas para atingi-lo com uma esquerda e com uma direita. Nesta última direita aplicou outra vez a luva e o antebraço, uma pancada estupefaciente que lançou Foreman aos tropeções para a frente. Enquanto ele passava diante de si, Ali acertou o lado de seu queixo e saltou das cordas, de modo a deixar Foreman próximo a elas. Pela primeira vez em toda a luta ele havia bloqueado o caminho de Foreman. Agora Ali alvejou-o com uma combinação de socos velozes como os do primeiro round, porém mais duros e mais consecutivos, três direitas capitais seguidas atingiram Foreman, depois uma esquerda, e por um instante surgiu no rosto de Foreman a consciência de que estava em perigo, e que deveria começar a procurar por uma última proteção. Seu oponente estava atacando, e não havia cordas por trás do oponente. Que deslocamento: os eixos de sua existência invertidos! Ele era o homem nas cordas! E então um grande projétil, do tamanho exato de um punho dentro da luva, penetrou no meio da mente de Foreman, o melhor soco daquela noite espantada, o soco que Ali guardara por uma carreira. os braços de Foreman voaram para os lados como os de alguém que salta de para-quedas de um avião e, nessa posição dobrada, tentou vaguear até o centro do ringue. Todo o tempo seus olhos ficaram voltados para Ali, e fitou Ali sem raiva, como se Ali fosse a pessoa que ele melhor conhecesse no mundo, que estaria com ele em seu leito de morte. A vertigem tomou George Foreman e o revolveu. Ainda dobrado pela cintura, naquela posição de incompreensão, os olhos o tempo todo em Muhammad Ali, começou a desmoronar e a ruir e a cair, mesmo não querendo ir ao chão. Ímãs mantinham sua mente nas alturas do campeonato e seu corpo buscava o chão. Foi ao chão como um mordomo de sessenta anos e um metro e oitenta, que acaba de ouvir uma notícia trágica, sim, caiu ao longo de dois desmoronantes segundos, ao solo foi gradualmente o campeão, e Ali voluteou em torno dele num círculo fechado, a mão pronta para atingi-lo mais uma vez, mas não precisou fazê-lo, uma escolta íntima durante o trajeto para o chão.”