Esportes

Ainda com sinais de segregação, África enfrenta a seleção brasileira de futebol

RIO? Corria a Copa de 2010 e a África do Sul celebrava a união do país em torno do futebol. Arquibancadas ocupadas por negros e brancos, cena antes inimaginável. Quinze anos após Nelson Mandela usar o esporte como elemento de integração, havia nova oportunidade para tentar fazer o país todo caminhar junto, após mais de quatro décadas de Apartheid. Em 1995, o então presidente lutou para fazer a população negra se aproximar do rúgbi, o esporte da elite branca, e aceitar a seleção que disputaria o Mundial como uma equipe de todos os sul-africanos. Na Copa do Mundo, o futebol, historicamente um reduto dos nativos, entrava em campo com um defensor branco, Booth, como símbolo de uma semente de união.

Mas as feridas de décadas de segregação não se fecham rapidamente. Enquanto o rúgbi precisou aprovar um regime de cotas para negros na equipe sul-africana, o time de futebol que chega à Olimpíada e hoje enfrenta o Brasil é prova de que o esporte ainda reflete uma sociedade dividida. Quem olhar para o campo durante um treino da seleção verá uma única pessoa branca: Karen Schwabe, a médica. Quase um retrato de estratos sociais.
O fim da segregação oficial não rompe por decreto uma divisão sócio-econômica e, acima de tudo, cultural. Ainda há feridas abertas, uma história difícil de apagar.

? Muitos brancos acompanham futebol, mas o futebol inglês. Se uma equipe britânica vem ao país jogar um amistoso de pré-temporada, estádios se enchem de brancos. Mas não há o apoio ao time sul-africano. A última vez que vimos pessoas de todas as raças torcendo pelo futebol foi na Copa do Mundo. Não durou muito, uma pena ? disse ao GLOBO Ryland Fisher, jornalista e escritor sul-africano dedicado a estudar os reflexos esportivos da divisão racial.

A presença de brancos no futebol sul-africano ainda é tímida. Embora minoria no país, são muito presentes em todas as demais modalidades em que a África do Sul se fará representar no Rio-2016. No time de futebol feminino, há um cenário mais representativo da sociedade: são três jogadoras brancas.

? Mesmo o país sendo uma democracia há 22 anos, a maioria dos negros sul-africanos é pobre e a maioria dos pobres é negra. Historicamente, rugbi e críquete foram o esporte preferido dos brancos e o futebol, o mais amado pelos negros. Talvez por ser barato de se praticar. A questão das escolas influi, o futebol não é uma opção nas escolas que, historicamente, só aceitavam brancos – diz Fisher ? Acho que o ensino do futebol deveria, por decisão governamental, passar a ser compulsório.

Segundo Owen da Gama, técnico do time masculino, que enfrenta o Brasil nesta quinta-feira, a questão da tradição escolar é decisiva. Mas ele enxerga uma possibilidade de mudança no horizonte.

? Não sou político, sou um treinador de futebol. E não vejo cor no esporte. Minha mãe é branca e meu pai, negro. Acontece que, desde sempre, rugby e cricket têm mais suporte nas escolas e universidades. Estas nunca ofereceram o futebol como opção. E escolas e universidades sempre estiveram mais ao alcance dos brancos. Há mais de 27 mil escolas no país e, hoje, três mil já ensinam o futebol. Então, podemos ter uma mudança em breve ? diz Da Gama que, curiosamente, é descendente do navegador Vasco da Gama.

Há, ainda, um senso comum no país de que homens brancos não sabem jogar.