Cotidiano

Arthur Asa Berger, professor: 'Nossa identidade é construída em cima de marcas'

“Nasci em Boston, em 1933. Sou professor emérito de Transmissão e Artes de Comunicações Eletrônicos da Universidade Estadual de São Francisco, onde dei aulas entre 1965 e 2003. Escrevi mais de 70 livros sobre mídia, cultura popular, consumo e humor.”

Conte algo que não sei.

Escrevi um artigo nos anos 1960 chamado “O hambúrguer evangélico”, em que sugiro que o McDonald’s prega a mesma dinâmica das religiões evangélicas protestantes, e que a lanchonete queria dominar o mundo.

Como resistir às tentações da propaganda?

Você ensina as pessoas como funciona, e elas podem resistir. Nos Estados Unidos, cada pessoa assiste, em média, a quatro horas de televisão por dia. Se uma hora for de propaganda, são sete horas semanais. Por trás destes anúncios, há mentes brilhantes dispostas a nos influenciar o tempo inteiro. Um terço de toda propaganda mundial é gasto na América.

Quais os efeitos dessa influência?

Você quer ter a vida que as pessoas têm, começa a querer tudo aquilo que não pode. Vê pessoas lindas e percebe que não é uma delas. Há tantos métodos de manipular as mentes… Em todos os aspectos. As relações das pessoas são construídas de acordo como elas se apresentam ao mundo. Eu também sou seduzido pela mídia, mas consigo resistir a um certo nível. E lembrando que consumo é uma grande parte da economia. A questão é saber se estamos comprando por que precisamos ou não, pela razão certa ou pela errada. Nossa identidade é construída em cima de marcas. Eles sabem o que a gente quer, e nós sabemos a diferença que faz fazer um trabalho voluntário, ir para Uganda. É tudo marketing.

Qual a relação entre consumo e identidade?

Escrevi um artigo chamado “The branded self” baseado no argumento de que nós nos vemos em termos de marcas. Eu pedia sempre que meus alunos fizessem diários, e um deles escrevia sempre sobre a camisa polo que estava usando. Sua mente estava completamente absorvida pelo consumo. E a questão é que ele não é exceção. Há na internet as hauls, que são as pessoas que compram coisas e ficam mostrando em vídeo, uma a uma. Muita gente na América acredita que comprar é a única coisa que importa. As marcas podem representar muito na vida de alguém.

A TV tem o poder de manipular as pessoas?

Claro que sim! Ela dá o tom do comportamento. Descobri que as pessoas usam a televisão para saber lidar com os problemas que enfrentam, usam as novelas, por exemplo. É claro que ninguém gasta tanto num produto televisivo apenas para entreter.

Como você vê o êxito da família Kardashian?

Elas são o epítome da cultura da celebridade, famosas por serem famosas. Na América há muita gente famosa que realmente não faz nada. Acho triste, mas há muita gente que gosta. Temos que entender a função que este tipo de pessoa ocupa. Nem todo mundo vai ler T. S. Eliot ou Franz Kafka.

Você diz que nasceu para escrever. Por quê?

Meu irmão era pintor, nasceu para pintar. E eu nasci para escrever. É a maneira como o mundo faz sentido para mim. Mantenho diários desde 1956, gosto de escrever sobre vários temas, tudo o que me interessa.

Em sua obra, você fala sobre os aparelhos eletrônicos. Por que o interesse neles?

Falo sobre o papel que ocupam na nossa vida. Estava no aeroporto e vi dois senhores de 70 anos conversando sobre seus eletrônicos. E notei que é algo que afeta todo mundo. Esses eletrônicos controlam nossas vidas.