RIO – A recomendação do prefeito do Rio de não tirar o carro da garagem durante a Olimpíada, somada aos cerca de 500 mil turistas que se estima que venham à cidade para os Jogos, deve multiplicar o uso de aplicativos (apps) de táxis e do Uber, que caíram no gosto do consumidor pela praticidade. A lua de mel dos usuários com esses apps, no entanto, parece que, em alguns casos, já chegou ao fim. Atritos nessa relação entre passageiros e aplicativos foram parar no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), que já soma cerca de 300 ações contra Uber, Easy Taxi e 99Taxis, os apps mais populares nesse segmento. Cobrança irregular, taxa de cancelamento indevida, veículo que não chega e pagamento de ligação na hora de reclamar são as queixas mais frequentes de quem usa estas ferramentas.
A corrida entre os bairros Vila Isabel e Tijuca, na Zona Norte carioca, de R$ 10,45, saiu para a designer Thaissa Fonseca por R$ 150. Ela pediu um táxi pelo aplicativo da 99Taxis com pagamento por meio de voucher e teve de recorrer à Justiça para receber o valor cobrado indevidamente. Isto depois de tentar resolver administrativamente com a empresa, em oito ligações que totalizaram 113 minutos ao telefone.
? Eu me senti lesada, ainda, por precisar gastar cerca de R$ 80 em ligações para pedir o estorno do valor cobrado indevidamente. No site, dizia que era ligação local, mas a cobrança foi por ligação interurbana ? queixa-se a designer.
GUARDAR COMPROVANTES
O processo de Thaissa é um dos que estão em andamento no TJ-RJ. Apesar de todo o transtorno, ela admite que continua a usar esse tipo de aplicativo.
Já a 99Taxis disse que acatou a decisão da Justiça e pagou o ressarcimento definido na sentença.
Usuário do Uber, o advogado Gustavo Vinhas também teve problemas de cobranças indevidas em duas ocasiões, mas foi rapidamente reembolsado. A primeira, no Ano Novo, quando solicitou um carro para pegá-lo na Urca. O motorista atendeu a outro passageiro, mas a corrida de R$ 30 foi cobrada de Vinhas.
? Fiquei esperando, e o motorista não veio, pegou o passageiro errado. Solicitei outro carro, e o próprio motorista me aconselhou a fazer uma reclamação formal direto pelo aplicativo ou pelo e-mail indicado também no app.
A Uber informa que o aplicativo foi pensado para ser prático, rápido e eficiente também na hora de resolver imprevistos e que conta com equipe dedicada a atender às solicitações rapidamente.
A resposta à queixa, conta Vinhas, foi mesmo rápida. No primeiro dia útil após fazer a reclamação, em 2 de janeiro, o valor foi estornado. Em julho, no entanto, o advogado voltou a ter problema. Ele pediu um carro para levá-lo do trabalho para sua casa, mas o motorista abriu a corrida antes de buscá-lo. Ao perceber o que tinha acontecido, ele cancelou a corrida assim que entrou no veículo, mas foi cobrado em R$ 7 pelo cancelamento.
? Enviei por e-mail a queixa e, novamente, obtive resposta rápida sobre o estorno. As respostas por e-mail vêm sempre no mesmo dia, seja feita pelo aplicativo ou por e-mail. O único inconveniente é que não há um telefone de contato.
O juiz Flávio Citro, coordenador do Centro Permanente de Conciliação dos Juizados Especiais do TJ-RJ, não considera grave o fato de o Uber não oferecer um contato telefônico para o consumidor, já que toda a contratação é virtual, desde que a resposta seja ágil. O que não pode, diz Citro, é transferir para o consumidor o custo para a solução dos problemas, como aconteceu com Thaissa em seu contato com a 99Taxis. Como em todo negócio pela web, o juiz recomenda que o consumidor mantenha comprovantes:
? O ideal é guardar as telas, do momento do chamado e do orçamento da corrida, do fechamento da conta, passando pelo mapa de trajeto, até que chegue a fatura do cartão de crédito. No caso de Thaissa, foi fácil de constatar a irregularidade, pois ela tinha tudo documentado.
O caso do engenheiro João Paulo Sacramento é um pouco diferente: sua insatisfação é com a qualidade do serviço. Um taxista, chamado via 99Taxis, deixou sua mulher e seu filho, um bebê de colo, na mão. Após esperar mais de 20 minutos, o engenheiro ligou para o celular que o aplicativo indicava ser do motorista, que disse ter pensado que haviam desistido da corrida, e informou já estar longe do local.
? Seria de bom alvitre o profissional credenciado e representante da 99Taxis ligar para o cliente e tirar sua dúvida, em vez de tirar conclusões que provocam transtornos ao consumidor, que acreditou na boa-fé do app e do taxista, de que seu compromisso seria cumprido a contento no prazo ? diz Sacramento, que reclamou à empresa e enviou carta à ?Defesa do Consumidor?. ? Temos evitado usar esses aplicativos ou pegar táxi direto na rua para evitar novos aborrecimentos, preferimos recorrer a motoristas conhecidos.
Segundo a 99Taxis, em razão da falha no atendimento a Sacramento, o taxista foi bloqueado por 15 dias e não está mais na base devido à documentação pendente.
Já Thais Almeida Santoro, ao solicitar um carro da Easy Taxi para assistir a um show na Barra, optou por pagar com cartão de crédito, pois estava com pouco dinheiro. Ao chegar à casa de show, no entanto, o aplicativo ficou indisponível, e ela teve de gastar os únicos R$ 50 que tinha. Em carta enviada a esta seção, Thais conta que deixou de usar o serviço.
A Easy Taxi, por sua vez, lamentou o ocorrido com Thais, afirmando que a equipe está focada em analisar o caso para que não se repita, e que oferece vários canais de contato. A empresa destaca, no entanto, que é uma plataforma com o objetivo de conectar motoristas e passageiros. E acrescenta que a maior parte dos problemas está relacionada a ações de motoristas ou passageiros.
Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente de Testes e Pesquisas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), apesar de o motorista ser o principal responsável pelo serviço, os aplicativos não podem se eximir de responsabilidade.
? Se o problema foi de comunicação ou uma falha no app, por exemplo, aí não resta dúvida sobre a responsabilidade da empresa. Quando há um problema grave, como fraude, que extrapola a má prestação de serviço, além do motorista ser responsável, inclusive criminalmente, os aplicativos respondem solidariamente. No caso dos táxis, também se pode recorrer às prefeituras, que concedem as autorizações ? diz.
PROCONS ACEITAM QUEIXAS
Usuária assídua dos aplicativos, Maria Inês Dolci, coordenadora Institucional da Proteste, diz que há alguns cuidados básicos a se tomar para prevenir problemas:
? O primeiro deles é conhecer a rota que vai fazer, muitos motoristas são inexperientes e não conhecem o caminho, e ter atenção à marcação dos endereços, verificar se o bairro está correto. É fundamental só deixar o carro após o fechamento da corrida. Outro ponto importante é acompanhar o histórico e conferir os valores. Esses serviços deveriam investir na capacitação do pessoal.
A preocupação do executivo do Idec é com as cidades em que o Uber não é regulamentado, caso do Rio. Mas os Procons, tanto o municipal, quanto o estadual, informam que isso não impede que se registre queixa no órgão, assim como que providências sejam tomadas. O número de reclamações, no entanto, ainda é irrisório. Ambas as autarquias defendem que os apps respeitem o decreto federal 7.792/2013, que determina que sites e meios eletrônicos devem informar, em local de destaque, endereço e contatos.