TRABALHO INFORMAL

“Rapadura é doce, mas não é mole não!”

Dona Zenita Gonçalves dos Santos, moradora do Jardim Alvorada, atravessa a cidade para chegar ao seu local de trabalho. Foto: Mateus Barbieri/HjExpress/OPR
Dona Zenita Gonçalves dos Santos, moradora do Jardim Alvorada, atravessa a cidade para chegar ao seu local de trabalho. Foto: Mateus Barbieri/HjExpress/OPR

Depois de percorrer as ruas da região central de Cascavel – andando mais do que notícia ruim – para retratar a realidade dos que vendem balas ou pedem dinheiro nos semáforos visando o consumo de drogas, principalmente de crack, a reportagem do Hoje Express percorreu novamente o trecho nesta semana. Porém, desta vez de olho nos vendedores que tiram das esquinas o sustento familiar.

Na Avenida Tancredo Neves, sob o sol do início da tarde, bem em frente ao totem que registra a temperatura – inacreditáveis 32ºC em pleno inverno no início desta semana – encontramos a dona Zenita Gonçalves dos Santos, moradora do Jardim Alvorada, que atravessa a cidade para chegar ao seu local de trabalho, que não é uma empresa, mas, sim, a rua, em meio aos carros, nos segundos em que o sinal fica vermelho. E conhecidos ditos populares traduzem bem essa realidade.

“Balinha, moço?”

Aos 57 anos, Zenita aborda os motoristas oferecendo diversos tipos de doces – de balas a paçocas – e afirma que a aceitação é boa, mas não dá para perder tempo. “Precisa ser ágil para conseguir oferecer ao maior número de carros”, diz ela, com um olho no gato e outro no peixe, enquanto conversava com a reportagem.

O dinheiro que consegue com as vendas é a única fonte de renda da jovem senhora, que mora sozinha e apesar da pouca idade, já tem até bisnetos. “É daqui que tiro o meu sustento e ainda pago as prestações da minha casa, não recebo nenhum benefício do governo”.

Questionada se já trabalhou formalmente, Zenita disse que foi zeladora por um período de dois anos, mas que a demanda dos quatro filhos ainda pequenos a fez desistir. Hoje com todos eles adultos, casados e encaminhados, ela optou pelo trabalho ambulante e informal pela liberdade de horários. Ela trabalha as terças, quartas, sextas e sábados das 11 às 14h30 e fatura entre R$ 100,00 e R$ 150,00 por dia.

“Antes só do que mal acompanhado”

Sobre a escolha do local de trabalho, longe da confusão da região mais central, Zenita disse que prefere ficar longe dos “noias”, se referindo aos usuários de drogas que retratamos na última edição.

E como saco vazio não para em pé, Zenita disse que gosta de comer bem e consegue fazer isso porque além do dinheiro, recebe também doação de cestas básicas de pessoas que passam pelo local e já a conhecem.

Cada um sabe onde o sapato aperta

Se de um lado vemos a Agência do Trabalhador local liderando o número de vagas disponíveis em todo o Paraná, o questionamento é inevitável: se tem emprego, porque estão nas esquinas? Por que, afinal, estas pessoas optam pelo trabalho informal ao invés da segurança de um emprego fixo? Fizemos esta pergunta ao Sérgio Marcucci, Coordenador da Câmara Técnica de Empregabilidade do POD – Programa Oeste em Desenvolvimento.

“Grande parte delas recebe benefícios como Bolsa Família, vale-gás e cesta básica – o que gera uma renda em torno de R$ 800 a R$ 1.000,00 – dependendo da quantidade de filhos, por isso elas optam pela informalidade, que não deixa de ser um trabalho”, analisa Marcucci, que vai além: “Outros profissionais, como diaristas, jardineiros, eletricistas, encanadores também trabalham desta forma e continuam aptos a receber benefícios sociais”.

“Não existe rosa sem espinho”

Sérgio Marcucci também aponta para o crescimento exponencial do número de abertura de MEIs (micro empreendedor individual) na região Oeste e também em todo o país, onde a emissão de notas fiscais não condiz com a realidade do número de serviços prestados, na maioria dos casos. “A pessoa se acostuma a viver com um salário mínimo e a aposentadoria do empreendedor será baseada nisso”, aponta ele já preocupado com o problema ‘anunciado’ que é manter o INSS para equilibrar todo este sistema.

“O pior cego é o que não quer ver”

Sérgio alerta para a tramitação no Senado de uma medida que cria a categoria de Nanoempreendedor, que pretende atingir aqueles empreendedores na fase inicial ou profissionais que atuam no complemento de renda, que ‘fatura’ até R$3.375,00 por mês e não será obrigado a pagar impostos. A previsão é que a medida passe a valer em 2026. Marcucci avalia que este segmento deverá ser ainda pior no que se refere à informalidade.

Agência mantém “cardápio completo”

A tradicional “carteira assinada” é sempre uma forma mais segura do trabalhador ter o seu salário no início do mês. Porém, nem sempre é uma abraçada pelo cidadão que, em diversos casos e por uma série de motivos, acabam optando pela informalidade. Mais uma vez, a Agência do Trabalhador de Cascavel abriu esta semana com o “cardápio bem completo”, com mais de mil vagas para diversas funções e colocações “fichadas”.

A agência acaba sendo um verdadeiro “banco de oportunidades”, mas muitas vezes acabam sendo deixadas de lado. A mesma oferta ocorre em todo o Paraná. Segundo dados estaduais, nesta semana as Agências do Trabalhador e postos avançados do Paraná começaram a semana com a oferta de 21.242 vagas de emprego com carteira assinada. A maior parte é para alimentador de linha de produção, com 5.950 oportunidades. Na sequência, aparecem as de abatedor, com 735 vagas, faxineiro, com 720, e operador de caixa, com 691.

A região de Cascavel tem 4.722 vagas abertas, com 1.450 oportunidades para alimentador de linha de produção, 494 para abatedor, 250 para magarefe e 170 para servente de obras. Os interessados devem buscar orientações entrando em contato com a unidade da Agência do Trabalhador de seu município. Para evitar aglomeração, a sugestão é que o atendimento seja feito com horário marcado.

Alterações no “comércio eventual”

Outro tipo de fonte de renda para trabalhadores informais é o comércio eventual que vai sofrer alterações em Cascavel. A Câmara Municipal de Vereadores aprovou o Projeto de Lei Complementar 2/2024, que regulamenta, de forma oficial, o comércio eventual e temporário realizado nas vias públicas. Entre outras determinações, esse tipo de atividade só poderá ser exercido por microempreendedores individuais que possuam autorização expedida pela Prefeitura.

Para o Município, autor do projeto, a regulamentação tem como objetivo “estabelecer o equilíbrio fiscal entre o comércio eventual ou temporário e o comércio de estabelecimentos, não prejudicando a mobilidade de pedestres e veículos garantindo a qualidade e procedência dos produtos comercializados e respeitando os limites da concorrência similar por ser uma atividade itinerante”.

Até agora, Cascavel não possuía regras para estas atividades e, segundo o Executivo, a partir da publicação da lei, haverá condições legais para fiscalização efetiva. As pessoas autorizadas a exercerem esse tipo de comércio poderão fazê-lo por no máximo três dias, com intervalo mínimo de 90 dias entre cada autorização. O horário de funcionamento será das 8h às 18h de segunda a sexta e das 9h às 13h aos sábados, domingos e feriados. A lei estabelece ainda a documentação a ser apresentada, prazos a serem cumpridos, vedações e multas a serem aplicadas em caso de descumprimento.