Policial

Três anos depois, presos comandam a PEC

A reconstrução do presídio destruído foi feita pelos próprios presos, que agora conhecem cada cantinho

Cascavel – Passava poucos minutos das 7h quando o rádio comunicou mais uma confusão na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel). Era o domingo do dia 24 de agosto de 2014. E tinha início a mais sangrenta rebelião da história da região. Foram três dias de terror que acabou com cinco mortos, todos decapitados, e outros 25 feridos. Três anos depois, as paredes do presídio foram reerguidas e agora o clima é outro. Mas o motivo é simples: quem manda são os presos.

O advogado do Sindarspen (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná) em Cascavel, Jairo Ferreira Filho, é quem alerta para a situação: “Isso deve ser muito bem dito. Há muitas concessões dadas aos presos. Regalias concedidas. E isso os mantêm calmos”.

Para ele, é o único motivo que impede uma nova carnificina. Isso porque os agentes penitenciários correm um risco iminente todos os dias: “Mesmo depois de tanto tempo, o risco de um novo motim existe. Um dos principais problemas é que a reforma [do presídio] foi feita pelos presos. É um risco absoluto e há um temor muito grande por conta disso”.

Ele explica que o fato de os detentos terem trabalhado na reforma – a rebelião destruiu 80% do complexo -, o caos se instalou na PEC. “Hoje os presos têm domínio total da estrutura física da unidade. Eles conhecem a planta melhor do que muitos agentes. Os detentos que foram para a obra da reforma estão lá dentro, sabem onde estão as falhas, os chamados vácuos na segurança, e isso deixa a situação bastante complicada”.

Jairo observa que a falta de agentes penitenciários que existia em 2014 não foi resolvida. “Quando a rebelião estourou, tínhamos nove agentes e hoje esse número se mantém. Não houve incremento de pessoal e a única medida tomada pelo governo do Estado depois da série de rebeliões desencadeadas naquele ano foi a implantação do SOE [Seção de Operações Especiais]”.

Questionado em relação à infraestrutura da unidade, Jairo cita que a situação encontrada em 2014 é a mesma: “Mesmo com a reforma não temos estrutura de isolamento disciplinar na unidade. Os agentes não conseguem gerar controle dentro da massa carcerária e pelo que estamos verificando ao longo dos dias é que a probabilidade de as coisas piorarem é enorme”.

Vaquinhas garantem vida de agentes

O líder sindical faz ainda outra séria revelação: “As mudanças que ocorreram nesse período foram promovidas pelos próprios agentes. Por meio de vaquinhas, em almoços e jantares, eles conseguiram levantar dinheiro do próprio bolso para garantir a segurança deles, a qual deveria ser garantida pelo Estado, mas não é”.

Dentre os itens que teriam sido implementados pelos profissionais, o advogado Jairo Ferreira Filho cita uma espécie de mecanização na abertura das portas.

PCC toma conta

Apontada desde o início como a articuladora da rebelião, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) ganhou ainda mais espaço dentro da PEC.

Conforme Jairo Ferreira Filho, o crime organizado cresceu em quantidade e força desde 2014. “Diariamente são registradas agressões por parte dos presos contra os agentes e nada acontece. Isso é muito prejudicial e não há nenhuma forma de coibir esse problema”, lamenta.

Novo motim: “é só os presos quererem”

Cascavel – A tomada da unidade prisional em 2014 aconteceu de forma rápida. Naquela época havia muito buchicho de que os presos iriam “virar a cadeia”. Agora a situação se repete. De acordo com um agente penitenciário que pediu para não ser identificado, as ameaças têm se tornado constantes: “Eles fazem o ‘salve’ diário e nesse grito de guerra anunciam aos quatro cantos que vão virar a cadeia. Todo dia que chego para trabalhar o medo de não sair vivo é enorme. O receio de ir entregar uma comida ou mesmo fazer algum procedimento de rotina e ser rendido paira sobre todos os profissionais que atuam na unidade”.

De acordo com o advogado do Sindarspen, Jairo Ferreira Filho, basta apenas os presos “quererem”. “Eles têm total domínio da unidade. Não só por conhecer a estrutura, mas também porque a quantidade de presos é muito desproporcional ao número de agentes. É um agente para cada 30 presos e não existem condições humanas e físicas para controlar os detentos se eles realmente quiserem deflagrar uma nova rebelião”.

Ele cita a necessidade de que os demais agentes sejam capacitados tal qual os integrantes da SOE [Seção de Operações Especiais]. “Que segurança têm os agentes ao trabalhar apenas com uma caneta na mão? Somente a SOE possui capacitação e equipamentos de segurança para conseguir trabalhar e conter os motins. Se não tivesse a SOE, já era”, confessa.

Falta de regalias motivou motim

Dentre as reivindicações dos presos durante a rebelião de 2014 estava o atendimento de profissionais de saúde, como médicos e dentistas, dentro da unidade. Mas, segundo o advogado Jairo Ferreira Filho, passados três anos, a deficiência nos atendimentos técnicos persiste. “As políticas de tratamento são inócuas e a tensão que existia continua igual”.

A diferença, conforme Jairo, é que atualmente os presos da PEC possuem muitas outras regalias. “Eles têm acesso à TV à vontade, rádio, chocolate, eles têm tudo o que querem. Muitos têm lá dentro mais do que tinham fora da prisão e é isso o que acaba inibindo um pouco os riscos”.

Segundo ele, é preciso entender qual é o papel da penitenciária: demonstrar força ou gerar regalias. “Queremos que a PEC se transforme num cadeião ou numa penitenciária? Porque no cadeião você pode soltar e os presos vão se cuidar entre si. Mas numa penitenciária é preciso haver disciplina, ordem e regras e hoje, na PEC, isso não existe”.