OPINIÃO

Os olhos da igualdade

Nascer mulher é ato de rebeldia. O relatório da ONU Mulheres evidencia as dificuldades enfrentadas em razão do gênero. Parece absurdo, mas é naturalizado em falas misóginas como “se tiver filho, espero que seja homem”. Até porque, os comportamentos infantilizados dos homens são birras relativamente aceitas pela sociedade, para eles, claro.

As birras são consideradas desregulação emocional. Não são apenas as crianças que as fazem, os adultos também, no entanto, espera-se que o desenvolvimento cognitivo elabore respostas menos intensas às frustrações, visto que os adultos são assoberbados de responsabilidades (ou deveriam ser). Porém, algumas pessoas permanecem no seu eu narcísico, em um culto tirânico ao gozo individual, oscilando em suas reações conforme o vento soprar.

Daí porque a esposa que era imprescindível (enquanto útil às necessidades) se torna a namorada quando não se faz mais necessária. É a mesma lógica daquele que não assume relacionamento, porque está apenas se conhecendo, mas goza dos benefícios de namoro/casamento enquanto lhe aprouver, até não encontrar novas possibilidades rumo à felicidade almejada (e fugazmente alcançada).

Para essas situações, a lei visa ao privilégio do esforço em comum, reconhecendo relações fáticas ainda que não estejam devidamente documentadas. Assim, o “marido” que muda de ideia no meio do caminho terá que aceitar os efeitos jurídicos da relação até então formulada e, considerando o regime mais comum (de comunhão parcial de bens), partilhar equitativamente os ganhos do período do convívio, ainda que eles tenham advindo de fato eventual (como ganhar na loteria ou um reality show).

Nesse mesmo sentido, cresce o reconhecimento de alimentos compensatórios pago entre os ex-cônjuges, especialmente no regime de separação de bens. É a pensão alimentícia que visa à compensação da abdicação da vida profissional em prol da construção e manutenção da estrutura familiar. Sem tempo expressamente definido em lei, tais alimentos objetivam auxiliar a recolocação no mercado de trabalho, sob o fundamento da solidariedade familiar e da assistência mútua. Responsabilidade conjugal traduzida em instrumento jurídico, assim como a questão da partilha das dívidas.

Os ônus também integram a partilha, isto é, devem ser divididos pelo ex-casal em sede de divórcio. Como regra, em qualquer regime de bens, as dívidas devem ser divididas igualmente, pois se presume o benefício da família. Porém, comprovado que a dívida foi contraída para benefício individual e que não houve extensão à família, é possível sua exclusão do montante a ser partilhado.

Ocultar essas realidades e buscar subterfúgios para prejuízo financeiro em razão de divórcio pode ser considerada violência patrimonial e processual, enquanto mais uma das facetas das dificuldades enfrentadas, em grande medida, pelas mulheres. Enquanto mulher, não só nascer, mas viver é um ato de rebeldia às estruturas desenhadas para oprimir o suposto sexo frágil, que não desiste de tentar descobrir qual será a cor dos olhos da tão sonhada igualdade.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito