Cada dia com sua aflição. O ditado cai bem no cotidiano dos brasileiros. Nem bem se recupera da saraivada de impropérios, fake news, declarações bombásticas de candidatos, por ocasião da algaravia produzida pela mais renhida campanha eleitoral de nossa atualidade, o eleitor volta a ter os costumeiros sustos e a se deparar com as previsíveis mortes causadas por desabamentos de morros.
No Rio de Janeiro, a morte visita anualmente as comunidades que vivem no sopé de morros. A última tragédia provocou, semana passada, a morte de 14 pessoas, vítimas da queda de uma rocha no morro de Boa Esperança em Niterói. (A crônica de desastres tem sido comum na região da serra fluminense).
Em São Paulo, a cena terrificante apareceu na última quinta-feira, quando um viaduto na Marginal Pinheiros cedeu dois metros, provocando a queda de carros e um gigantesco congestionamento. “De repente, parecia um armagedom, declara um motorista que via os carros em sua frente sumirem. Expressava ele o que via como o ‘fim do mundo’”.
Em quem pôr a culpa? A resposta é uma só: no Poder Público. Os gestores públicos no País não fazem manutenção adequada de estradas, pontes, viadutos, enfim, dos estabelecimentos que integram o patrimônio físico a serviço da população. São milhares de gestores, a partir dos maiorais que comandam os governos de Estado, as capitais e as grandes cidades, palco de eventos catastróficos.
Em Niterói, a empresa que estudou as áreas de risco não identificou a rocha que provocou a tragédia. Em São Paulo, a prefeitura desrespeita um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) pelo qual se obriga a fazer manutenção em pelo menos 50 instalações. Das 185 pontes, muitas carecem de urgentes reformas. O fato é que os sistemas de prevenção e conservação da infraestrutura física de estados e municípios não funcionam a contento. Em consequência, cresce assustadoramente o Produto Nacional Bruto da Irresponsabilidade.
A questão da previsibilidade na administração pública é grave. Não se trata apenas de arrumar obras viárias, mas garantir alternativas para substituir os sistemas em operação diante de eventuais paralisações de programas por rompimento de acordos entre contratante e contratado. É o caso, por exemplo, do programa Mais Médicos. Sua suspensão, anunciada pelo governo de Cuba, afetará de imediato mais de 28 milhões de pessoas nos 1.575 municípios que contam somente com médicos cubanos.
O governo brasileiro paga à Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) R$ 11.865,60 – valor integral da bolsa oferecida aos médicos -, mas estes recebem apenas um quarto do total, enquanto o Estado cubano detém o restante. É evidente o tratamento injusto que a ditadura cubana dá aos seus quadros. Mas essa questão merece uma interlocução mais aprofundada entre nossas autoridades e os dirigentes da ilha caribenha sob pena de se comprometer a vida de milhões de brasileiros.
Um estudo feito pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia aponta para o risco de suspensão do programa Mais Médicos: até 50 mil pessoas poderiam morrer precocemente, antes do 70 anos, se lhes faltar a assistência necessária do programa. Um descalabro.
Será muito difícil – reconhecem nossas autoridades – preencher as cerca de 11 mil vagas do programa (os cubanos ocupam 8.332 vagas, mas há 2.000 não preenchidas). A maioria dos nossos jovens médicos tem sua atenção voltada para as grandes (quando muito as médias) cidades, recusando o trabalho nos grotões do território.
Nesse momento em que um novo governo se aproxima, a cautela é o melhor caminho para o País. A recomendação é no sentido de ajustar, inclusive, a linguagem e evitar que alas em choque durante a campanha continuem em palanque. Esta é outra amarga constatação. A expressão radical continua a aumentar a bílis destilada ao longo do processo eleitoral.
Sua Excelência, o presidente eleito, seus filhos e o núcleo duro (formado por assessores e ministros próximos) hão de conter o ímpeto, sob pena de alimentar as correntes de oposição que tendem a aproveitar lenha na fogueira para queimar a imagem governista quando medidas duras tiverem de ser empreendidas. É hora do bom senso.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato