Opinião

O lar conjugal e o fim da comunhão de vida

A residência tem importância para a satisfação das necessidades básicas, mas também para a construção da identidade de cada indivíduo que nela se abriga, diante da proteção de direitos importantes como a privacidade e a intimidade. Daí porque a definição de lar não se restringe aos aspectos afetivos, visto que perpassa também a noção de espaço onde se desenvolvem as relações familiares.

Na construção de uma relação conjugal, a depender do regime patrimonial, é possível que a conquista de bens vá além do lar conjugal e constitua uma massa de propriedade comum, oriunda do esforço conjunto. Esse esforço, diga-se de passagem, engloba a coparticipação financeira na aquisição, mas também o esforço imaterial de quem não trabalha de forma remunerada, porém atua no suprimento das necessidades familiares, seja com relação à manutenção da casa, seja no cuidado com a prole em comum.

A relação conjugal, porém, pode ser encerrada com o término do compartilhamento da vida em comum, não cabendo a perquirição sobre motivos como culpa ou adultério. Finaliza-se com a separação de corpos ou de fato, que deve ser formalizada pelo instituto do divórcio. Embora a comunicação do patrimônio se encerre com a simples separação é no momento do divórcio em que se realiza a partilha dos bens do casal, definindo-se a cota parte de cada um.

Acontece que a divisão se efetiva após considerável lapso temporal, sendo que desde a separação de fato, em muitos casos, um dos cônjuges deixou o imóvel comum (algumas vezes o único) em posse exclusiva do consorte. A fim de evitar enriquecimento ilícito ou sem causa, é possível que faça o pleito de alugueis proporcionais à meação do cônjuge que não faz uso ou exerce posse do bem, especialmente o lar conjugal.

No entanto, os tribunais são resistentes nessa aplicação prática tendo em vista alguns motivos. Há que se considerar que o divórcio é homologado mesmo sem a realização da partilha, podendo esta ser diferida para outro momento (alguns casos leva anos), até porque pode haver dúvidas sobre a parte devida de cada um. Seria, dessa forma, inviável cobrar aluguel de imóvel em que não se sabe a proporção do direito de propriedade ou sequer se este existe. Não são raros os imóveis irregulares, sem a formalização devida. Outro ponto importante, é a guarda dos filhos comuns. Se a definição da residência dos menores for com o cônjuge que exercer posse exclusiva sobre o imóvel, também não é cabível e pleito do aluguel, assim como em casos em que há grande disparidade econômica entre os ex-cônjuges, de modo a um depender financeiramente do outro.

Outra questão relevante sobre o tema diz respeito à violência doméstica, em especial, a patrimonial, na qual há violação de acesso aos bens de direito por conduta abusiva na relação conjugal, como a retenção de documentos, destruição de objetos, além de violação sobre os direitos ou recursos econômicos. Há casos de submissão à violência física e verbal para não perder o direito à moradia e a afetividade na relação com o ambiente doméstico, fundamental na conformação da identidade e do senso de pertencimento. Essa situação incorre em vulnerabilidade de uma das partes da relação por um longo período de tempo (até ultimação da partilha) e que geralmente pesa sobre a mulher, na sociedade pautada na desigualdade de gênero de na divisão sexual do trabalho.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas