O tema da morte é dentre todos os demais o tema que nos toca com mais força. Na cultura ocidental prevalece a ideia de que a vida deve ser preservada a qualquer custo, inclusive apelando a transplantes de órgãos, porque prevalece a ideia de que depois que a vida acaba nada resta a ser vivido. A vida é encarada como se fosse uma permanente luta contra a morte. Isso leva as pessoas a lamentarem as vidas breves. É como se elas perdessem algo que aqueles que vivem muito tempo ganham. É como se aquele que vive muitos anos fosse privilegiado em relação àquele que vive pouco tempo.
Em nossa cultura, o tema da morte está associado aos medos. Segundo Hellinger, para muitos a vida é considerada isolada da morte e vista como um bem pessoal que deve ser explorado ao máximo. Por isso, escreve ele, a vida é encarada como algo que se deve conservar sob quaisquer circunstâncias e a qualquer custo, porque com a morte tudo fica perdido.
Uma imagem que expressa com força essa ideia – de que os mortos estão sepultados, de que foram embora definitivamente – é o costume de colocar sobre o túmulo do morto uma pesada lápide de modo que ele não consiga sair nunca mais! No entanto, quando vemos nossa vida na transitoriedade, ela ganha força, porque então o tempo à nossa disposição até a morte pode ser visto como um presente. Com essa atitude, o tempo de vida pode ser preenchido de maneira bem diferente: acolhemos a morte como amiga em vez de agir como se pudéssemos impor nossa vida à morte, como se a morte fosse hostil a nós, fosse a inimiga a ser permanentemente combatida.
Detrás da atitude de ver a vida como contínua luta contra a morte está um modo equivocado de ver a vida. Com efeito, de onde vem a vida? Não sabemos onde é sua nascente, diz Hellinger. Ela simplesmente flui de longe para nós. Não “temos” a vida. Muito antes, a vida “nos toma e nos usa; nos toma a serviço e nos deixa cair de volta à origem, seja ela qual for” (Hellinger, B. A fonte na precisa perguntar pelo caminho, p. 265).
A alma, diz Hellinger, conhece a origem e a procedência da vida. Nela há uma profunda conformidade com a morte e com o fundo último do qual provém a vida. Por isso, a vida tem uma ânsia de voltar à origem – depois de algum tempo. Enquanto algumas pessoas se opõem a este movimento interior que as atrai de volta ao fundo último, outras querem voltar antes da hora!
Assim, alguns vivem como se estivessem em guerra contra a morte e como se estivesse em suas mãos prolongar sua vida pelo tempo que desejam. “Desta maneira fazem o ridículo ante sua própria alma. A alma não quer nada disso. A alma, quando for sua hora, quer voltar ao Fundo Último” (Hellinger, B. Lograr el amor en la pareja, p. 152). Nós não escolhemos a hora de voltar ao Ser de onde emergimos. Cabe-nos unicamente a tarefa de cuidar com zelo da vida que recebemos como presente.
“A morte vem sempre na hora certa, seja porque não tem mais lugar para nós no mundo, seja porque nosso tempo expirou e já realizamos o que nos foi incumbido, seja por que é hora de dar lugar a outros. Deste modo, pela morte somos levados de volta para a Causa Primordial da qual surge a vida e na qual novamente ela se funde” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, Ariston eBook, 2018 – tradução nossa). Outros, no entanto, pretendem voltar à Causa Primordial antes da hora. Com isso, escreve Hellinger, eles traem sua alma, porque ela quer o pleno tempo que lhe é dado. Aqui se incluem todas as conhecidas dinâmicas de expiação às quais temos feito referência ao longo das reflexões anteriores.
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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar