Os primeiros médicos romanos incorporaram a magia, os ritos e as técnicas da civilização etrusca, que antecedeu o que conhecemos, hoje, como cultura romana, da qual somos a continuidade, transmigrada que foi para o novo continente americano, no século XVI. O mais significativo que restou daqueles tempos remotos são as imagens de deuses/demônios femininos afrodisíacos, que tinham a função de proteger as mulheres em trabalho de parto.
No século III a.C., Roma, capital de um vasto império, já contava com mais de um milhão e meio de habitantes, e a rotina compreendia acordar cedo, comer pirão de farinha e feijão, além de pão sem fermento cozido na brasa e mergulhado em leite ou mel. Trabalhavam, negociavam na parte da manhã. O almoço era uma leve refeição, consumida em pé, em restaurantes públicos, com frutas, doce, queijo e vinho destemperado – sempre seguido da sesta. O restante do tempo era dedicado aos encontros políticos, banhos, esportes – como jogo de dados ou xadrez -, atividades lúdicas, literárias e filosóficas que terminavam ao anoitecer, com um jantar com carne, peixe, cereais e um mingau de migalhas de pão – essa era a refeição principal. Quanto mais rico o cidadão, mais fausto era o jantar, e mais tarde ele acontecia. As mulheres recebiam aulas de música e dança, e já eram conhecidos os cosméticos faciais de farinha e leite de jumenta.
De cada três habitantes, um era escravo. Entre eles, os primeiros médicos. A maioria era de origem grega, tendo se destacado o cirurgião Archagathos, escravo liberto que combatia o charlatanismo, muito comum na época. Antes da chegada dos gregos, eram escravos de diversas nacionalidades, sacerdotes, barbeiros e massagistas que prestavam a desacreditada assistência médica. Asclepíades, também professor de oratória, se destacou por interromper a cerimônia fúnebre de um cidadão famoso e “ressuscitar” o morto. Ele também prescrevia gentileza, luz solar, banhos frios, música e abstinência de vinho. Reconheceu os efeitos psíquicos da pneumonia e da pleurisia e definiu claramente condições como frenesi, letargia e catalepsia.
Thessalio de Tralles, um fanfarrão, oferecia cursos de medicina em seis meses. Sapateiros, pintores de paredes, ferreiros, curtidores, pessoas ávidas por mudar de ocupação, seguiam-no em sua ronda, agrupados em torno de leitos de doentes, enquanto ele dissertava. Sorano de Éfaso foi o fundador da obstetrícia e da ginecologia, e também era filósofo, gramático, fidalgo e escritor. Mas, já naquele tempo, havia os críticos – era considerado um péssimo anatomista.
Os enciclopedistas foram, no entanto, os grandes médicos romanos. Aulio Cornelio Celso era chamado “Cícero da Medicina“. Dividiu a terapia em dietética, farmacêutica e cirúrgica. Os ferimentos eram tratados conforme a vermelhidão, inchaço, calor e dor – tudo aplicado na medicina militar, que recebia atenção especial. Celso relacionava as qualificações de um bom cirurgião: juventude, mão firme e equilibrada, destreza nas duas mãos, visão clara e aguçada, mente intrépida e sujeita à piedade. Caio Plínio Segundo tinha um insaciável apetite de conhecimento, acumulou tudo o que lia ou ouvia em sua vasta História Natural, que incluía a utilização de plantas medicinais e chás oriundos de excreções animais, como o crocodilo, além de cérebro de camelo e sangue de tartaruga.
No início da era cristã, os médicos já eram reconhecidos em sua importância, levavam seus instrumentos e potes de pomadas em pequenos estojos e usavam almofarizes para preparar seus próprios medicamentos, habitualmente com ervas. Não havia boticários. O dia de um médico romano começava ao alvorecer, no Templo da Paz. Dali, geralmente após ouvir um médico conceituado e experiente, visitava os pacientes em seu iatreion e fazia a ronda em suas residências. Voltava à casa para comer, fazer a sesta da tarde e passar o resto do dia em reflexões e estudos de Medicina, Literatura, Filosofia ou Gramática.
Dr. Márcio Couto – Médico Cardiologista – CRM-PR 14933 – Membro da diretoria da AMC.