A relação familiar está calcada em paradigmas como a liberdade e a afetividade, ainda que seja massivamente regulamentada pelo Estado, enquanto protetor dos direitos e garantias individuais. Limita-se a liberdade do indivíduo em nome da dignidade dos membros do vínculo familiar, especialmente para os mais vulneráveis.
Apesar da regulamentação estatal sobre os parâmetros da conformação familiar, resta algum espaço à liberdade, especialmente no tocante à seara patrimonial. Daí surgem os inúmeros contratos que selam acordos de vontade relacionados aos aspectos familiares, buscando criar, modificar ou extinguir algum direito entre as partes, sendo que não podem tangenciar a esfera da indisponibilidade, ou seja, daquilo que não se pode negociar ou que não há expressão econômica.
Podem-se mencionar as declarações de vontade realizadas por escritura pública (que não mereceriam o termo técnico contrato em sentido estrito), como o documento para a formalização da união estável (escritura pública ou documento particular) ou o pacto antenupcial. No primeiro, o casal externa sua vontade de constituir união estável enquanto no segundo, os nubentes ou conviventes expressam a divisão patrimonial (embora possa constar questões indisponíveis). Em qualquer dos casos, o documento, em nome da boa fé, não pode ser diverso da realidade, pois importa demasiadamente a correspondência entre o papel e a vida real.
No entanto, o contrato que salta aos olhos recentemente é o da coparentalidade. Neste documento, um casal, sem qualquer intenção sexual, partilha do desejo de paternidade, de modo que a formalizam em contrato. Diferentemente dos casais que coabitam, mas não querem constituir família, os quais têm uma relação de namoro, ou dos casais que coabitam e visam à constituição de família, na coparentalidade, os casais querem constituir família (novo modelo), mas não querem a conjugalidade, pois não há o elemento romântico ou afetivo entre eles. A parceria é meramente paternal, em sistema de cooperação, visto que unem os esforços em nome da criança.
Não existe regulamentação específica sobre o tema, sendo que, nos casos de reprodução assistida, seguem-se as normas éticas do Conselho Federal de Medicina. Em qualquer caso, as regras gerais a respeito de guarda e regulamentação de visita são aplicáveis.
O surgimento desta modalidade de contrato está no interesse de evitar a caracterização de união estável, pois ambas têm vários pontos em comum, mas diferem na medida em que os companheiros têm direitos conjugais e hereditários enquanto os contratantes da coparentalidade não o tem, visto ser apenas um “contrato de geração de filhos”.
Na “era do vazio” e do justicialismo raso, não é raro o Direito se perder na superficialidade que pode se atribuir à dignidade da pessoa humana e aos princípios quando se olvida que o direito é a régua da conformação da realidade social, tão possível de manter em padrões quanto a água do rio na palma da mão. Família nasce do afeto, não da cegonha ou da construção contratual, cujo objetivo central é, sem dúvida, o patrimônio.
Esta visão egocêntrica destoa sensivelmente da imposição de atendimento do melhor interesse da criança, seja pelo Estado, seja pela sociedade e, sobretudo, pela família. A filiação não pode se assentar apenas na declaração de vontade ou no desejo de paternidade, pois se trata de um ser humano, o qual carece de família ciente de que a relação humana que mais requer responsabilidade é a paternidade.
Giovanna Back Franco
Advogada e mestre em Ciências Jurídicas
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