Asclépio, Deus da Medicina
O professor Mario Rigatto, saudoso pneumologista gaúcho, afirmava que “o médico deve desempenhar este papel tão difícil para a figura humana: acreditar na sua ciência, mas, ao mesmo tempo, não desacreditar no que existe fora dela”. Estudantes de várias cidades do Rio Grande do Sul se reuniam para aprender medicina e sabedoria nas palestras do professor. No final dos anos 90, um dos mais renomados templos da ciência médica brasileira, o Hospital de Clínicas de São Paulo, inaugurou a estátua de um Deus do Olimpo, Asclépio, Deus da Medicina.
Na ocasião foi discutido que se contemplava a instalação de uma disputa bipolar sobre duas maneiras de se interpretar o mundo médico. Pois não são deuses; a própria representação do poder que dispensa prova. A iniciativa, na época, do prof. Carlos da Silva Lacaz, de erigir uma estátua, era uma notável provocação, de rara sabedoria. Com o surgimento da tecnologia avançada e dos chamados “modernos equipamentos”, a medicina precisava (e precisa) mais do que nunca ponderar as forças que a tem propelido. É a mais antiga das profissões. Ela começou quando o ser humano tomou consciência de sua situação na natureza e descobriu que era necessário debruçar-se sobre o irmão ou companheiro ferido, na intenção clara de ajuda-lo, socorrê-lo. O gesto de socorrer: este é o gesto médico. A medicina tem 250 mil anos de história, o tempo que o Homo sapiens se sabe existir no planeta Terra.
A medicina, como a praticamos, como ciência, tem 300 anos. Podemos dizer que desde a época do pajé ao feiticeiro, todos foram úteis à sociedade. Sabemos que a maior dádiva à disposição do homem contra os males que sobre ele se abatem são as forças que estão no seu interior – elas precisam ser oportunamente postas em liça. A vacinação e a psiquiatria nos mostram isso. Hipócrates registrou essa grande força como “força curativa da Natureza” (Vis medicatrix Naturae). Os médicos modernos não têm discutido com seus pacientes problemas que extrapolam os territórios dominados pela ciência – essa é uma das causas do extraordinário crescimento das chamadas medicinas alternativas.
Esse é um paradoxo: não sabemos tudo. “Não podemos desacreditar no que existe fora da ciência. Para nossos pacientes, não faz muita diferença se o seu problema está no território científico ou não-científico da Medicina. E esta dupla posição de cientista e não cientista é muito difícil”, dizia o prof. Rigatto. E ele concluiu em sua palestra, onde um atento estudante tudo anotava: “O horizonte é mais amplo, apesar de ainda mal definido, relativo à pratica da Medicina; e aí entra o reino de Asclépio. A aproximação entre estes dois horizontes do mundo, o divino e o científico, é um promessa de felicidade para nossa população”.
Márcio Couto
Médico Cardiologista – CRM-PR 14933
Membro da diretoria da AMC