Economia

Como a China conseguiu construir uma economia híbrida -- e por que ela é tão complexa

Ao unir dois modelos econômicos, a China se tornou um país indecifrável para o mundo

Como a China conseguiu construir uma economia híbrida -- e por que ela é tão complexa

Este ano marca sete décadas desde que Mao Zedong chegou à Praça Tiananmen, em Pequim, e declarou o começo da República Popular da China. Ao mundo exterior, a transformação chinesa de uma sociedade agrária pobre em uma das economias mais potentes do planeta foi milagrosa.

“Se você pensar no que era a China 70 anos atrás, essencialmente um país que lutou duas guerras e estava de joelhos, vencido. A ideia que em 70 anos seria a segunda maior economia do mundo e um grande player global era impensável”, disse Rana Mitter, professor de História e Política da China Moderna da Universidade de Oxford, na Inglaterra, ao jornal The Guardian.

Para quem viveu esses anos todos, o ritmo de mudança foi alucinante e, ao mesmo tempo, doloroso. Quase nenhum outro país viveu transformações tão grandes como a China — de forma que é se como a geração atual vivesse em outro país.

Os chineses que cresceram nos primeiros dias da República Popular lembram dos cartões de comida, da fome em massa e das campanhas políticas como foi a Revolução Cultural, que se estendeu por todo o país entre 1966 e 1976 e cujos efeitos podem ser vistos até hoje.

Os remanescentes dos anos 1980 lembram de uma época de abertura e otimismo, entre uma crescente confiança que as reformas econômicas seriam acompanhadas por reformas políticas, liberando tanto a economia como o sistema político.

Esse capítulo de abertura foi fechado no fim daquela década, quando militares chineses reprimiram protestos de estudantes em junho de 1989. Todo mundo se lembra dos tanques avançando sobre uma estudante, na rua vazia, na mesma Praça Tiananmen — o episódio completa 30 anos neste mês.

Na década seguinte ao episódio, a liderança chinesa, diante de uma crise de legitimidade, buscou abertura econômica de forma ainda mais agressiva, abrindo bolsas de valores, leilão de imóveis, reformando empresas estatais e incentivando importações e exportações, tudo em nome da criação de uma “economia de mercado socialista”. Como resultado, os millennials chineses cresceram em um país relativamente rico, já que a China se tornou a fábrica do mundo. Ao mesmo tempo, eles voltaram a experimentar mais controle, vigilância e censura, ajudados pelo avanço da tecnologia chinesa.

A economia de mercado chinesa

A economia chinesa é “híbrida”, como alguns economistas dizem, porque combina importantes características de uma economia de mercado capitalista e uma economia planificada aos moldes socialistas. Para entender como se chegou a isso, é preciso voltar ao passado recente.

Durante o período de 1953, quando o primeiro Plano de Cinco Anos começou, até o final dos anos 1970, a China tinha uma economia planificada sob a direção da Comissão de Planejamento do Estado (CPE).

A principal função do planejamento era dirigir a produção da maior parte dos produtos nacionais por meio de empresas estatais e, com isso, controlar não apenas os preços, mas estabelecer padrões em que determinados bens (como alimentos de primeira necessidade) fossem vendidos a custos acessíveis, enquanto outros tivessem valores até aumentados para financiar a produção daqueles primeiros.

O Conselho do Estado da China tinha um grande número de ministros, muitos deles responsáveis pela produção de suas mercadorias correspondentes — havia ministros para o petróleo, aviação, geologia, mineração, pesca, etc.

Em 1978, o governo chinês mudou seu sistema de modo gradual para uma economia de mercado, permitindo que empresas privadas produzissem e competissem com as empresas públicas. Para isso, foi criada a Comissão de Reestruturação do Sistema Econômico em 1982, sob o comando do primeiro-ministro, deixando o antigo CPE a cargo do vice-premier — a comissão da reforma foi rebatizada várias vezes na história e hoje se chama Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Reforma (CNDR, na sigla em inglês). Ela continua a planificar a economia com base nos planos quinquenais, que são desenhados pelo comitê do Partido Comunista e precisam ser aprovados no parlamento.

Durante o período da reforma econômica, iniciada em 1978, o governo chinês tentavam ver a eficácia da economia de mercado por experimentação, mas continuaram a acreditar na importância da planificação.

O curso das reformas foi tanto para permitir elementos da economia de mercado como seguir planejando-a — as duas coexistindo. Hoje, empresas públicas e privadas convivem em concorrência umas com as outras no gigante asiático e, apesar da economia de mercado funcionar de forma efetiva na China, a ideia do planejamento segue sendo essencial nos projetos do partido que governa o país.