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Saiba os perrengues e histórias dos gringos do Flamengo

mancuello 1.jpgO argentino Alejandro Donatti tinha acabado de chegar ao Brasil para defender o Flamengo e, mesmo com as semelhanças entre os idiomas, ainda não compreendia o português. Para seu desespero teve o carro parado pela polícia carioca a caminho de casa. Ficou ainda mais nervoso quando percebeu que não estava com a carteira de motorista. Pronto. Travou e não conseguia falar absolutamente nada ao agente, assim como não tinha a menor condição de entender o que ele lhe pedia. A ordem era: “Abra o porta-malas”. Mas, segundo Federico Mancuello, o compatriota levou as mãos ao teto. Pelo menos, ele não estava sozinho:

– Ele não entendia e eu dava risada. Expliquei ao policial qual a situação porque ele estava bravo. Mas acabou nos liberando – conta Mancuello, que também o auxiliou em outras situações, como em uma consulta médica para a filha. – Meu conselho foi que aprendesse rapidamente o português, até para ajudar a família. Porque a gente tem uma vida fora do futebol e precisamos resolver várias questões.
Como ser gringo no FlamengoNesta temporada, o Flamengo é o clube brasileiro que mais fala espanhol, língua predominante na Taça Libertadores, torneio sul-americano que o clube não disputa desde 2014. Além de Mancuello e Donatti, a legião de estrangeiros tem ainda o argentino Darío Conca, os peruanos Miguel Trauco e Paolo Guerrero, e os colombianos Gustavo Leonardo Cuéllar e Orlando Berrío.

O clube, que estreia nesta quarta-feira contra o argentino San Lorenzo, explora o fato de ter no elenco atletas que falam espanhol. Publicou no seu site entrevistas em português e em espanhol, além de um filme promocional. Esse conteúdo também será direcionado para as contas tanto no Twitter como no Facebook, direcionadas para Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela.

FUTEVÔLEI E TREINO COM ROMÁRIO

Com a chegada de Berrío, em 31 de janeiro, o técnico Zé Ricardo se viu obrigado a, às vezes, arranhar o espanhol para que o atacante entenda rápido as suas instruções. Mesmo com a ajuda sempre espalhafatosa de Rodinei, o “boa praça” do time, que faz a vez de tradutor para os gringos.

Mancuello, há mais de um ano no Rio, está adaptado. Chegou a experimentar uma pré-temporada na praia, paga por ele mesmo, com o preparador físico de Romário. Não à toa, está voando em campo.

– Um amigo que me ajudou quando cheguei ao país me chamou para jogar futevôlei. Não sabia o que vinha pela frente. Além de encontrar com o Romário, achei puxado o treino. Me ajudou muito nesse começo de temporada – comemora o jogador, que nos primeiros dias no Rio também passou sufoco. – E na concentração! Tinha de ficar muito ligado nas conversas para saber quando estavam falando comigo ou se referindo a mim . Era engraçado porque nas refeições, ficava quase sem comer porque não sabia se podia ou não.

Mancu, como é conhecido, gosta de um bom papo e puxa assunto com funcionários do clube para praticar o português. Se sente à vontade para interagir com a torcida via redes sociais sem ajuda de terceiros. E usa termos conhecidos como “Nação” e “Tmj” (“Tamu junto”).

– Sei que tem erros de português e prometo melhorar – observa o argentino, que disse ter tido facilidade na adaptação. – Em pouco tempo já comecei a falar português. Eu gosto de falar com todo mundo, do pessoal da limpeza à cozinha, e isso me ajudou. Também gosto de saber o que acontece com o clube, leio artigos e tento me informar sobre a história, até em respeito ao local em que trabalho. Quando cheguei fui conhecer a sede, na Gávea, e fui a um jogo de basquete do time, porque eu gosto. Me virei. Acho que quem vem de fora tem de se adaptar ao lugar para onde vai e não o contrario – prego o meia, que é o porto-seguro dos outros estrangeiros.

FÃ E ÍDOLO

Hoje, Trauco e Berrío, são as bolas da vez. Quem vê Trauco servindo principalmente Guerrero com passes precisos, deixando-o cara a cara com o gol, imagina que a dupla peruana seja afinada dentro e fora de campo. Mas não é bem assim. O lateral esquerdo, de 24 anos, ainda não conseguiu quebrar a barreira entre ele e o ídolo, assim como ainda luta para vencer o obstáculo da adaptação a outro país. Ele investe nas assistências ao compatriota de olho no placar mas também em uma nova amizade. Enquanto isso, recorre a Conca e Mancuello para resolver as pequenas questões do dia a dia.

– Sou tímido e o Guerreo é como um ídolo para mim. Por isso, não falo muito com ele, não consigo. Parece meio errado porque somos do mesmo país, mas me dou melhor com outros estrangeiros como o Conca e o Mancuello, que falam muito bem português e sempre me perguntam como estou – confessa Trauco, que sorri desconfortavelmente enquanto conversa com o O Globo, num misto de português e espanhol. – E tem ainda o Rodinei, uma pessoa boa, simpática, alegre e disposta sempre. O pouco que sei de português foi o Rodinei que me ensinou. É o meu professor.
trauco.jpgTrauco admite que procura por Guerrero em campo. Hoje, é o artilheiro do clube com seis gols. É o melhor início de temporada de Guerrero.

– Eu o conheço da seleção e sei como pode deixar para trás a defesa. Quando está no mano a mano trato de lhe dar a bola porque tenho certeza que poderá fazer o gol – explica Trauco, que ainda tem dificuldades com a língua. – É a única. Nos primeiros dias de folga nem saía de casa para comer porque não conseguia me expressar. Mas agora tenho um amigo, taxista, que se tornou meu representante e que me ajuda.

Também trouxe um amigo do Peru para passar um tempo comigo. Jogamos vídeo game e meu filho e esposa nos acompanham. Agora compreendo melhor o português mas peço que falem devagar.

Cuéllar, que está há mais de um ano no Brasil, não só se adaptou como ajuda os companheiros e ganhou, ao lado da esposa colombiana, um filho carioca, Paolo, hoje com três meses. Cuéllar usou a música brasileira, do sertanejo ao pagode, para ganhar vocabulário, além de repetir tudo o que lhe ensinavam. A tática papagaio lhe rendeu boas histórias:

cuellar.jpg– Eu também fico ao lado do Berrío para ajudá-lo com a tradução, algo que ele faria comigo se fosse o contrário – garante Cuéllar. – Quando cheguei, ficava prestando atenção no que os brasileiros falavam e repetia as palavras que desconhecia. Numa coletiva para a imprensa falei um ‘caralho’ achando que era algo como estar com muita vontade de jogar, usando uma expressão comum na Colômbia. E também cai na brincadeira em que um dos companheiros te fala uma palavra, sempre uma sacanagem mas que não sabemos o que é, para passarmos a outra pessoa. Tá na hora de pegar o Berrío, mas ele é grande e mais sério – completa, referindo-se ao atacante de 25 anos, 1,83 metro e 84 quilos, o último a desembarcar na Gávea.

As brincadeiras saudáveis distraem os gringos e os ajudam na integração. De acordo com eles, o grupo não se fecha justamente para aprender a língua e os costumes mais rápido. Mas, segundo Cuéllar, tem vezes que preferem eventos entre eles para praticar o espanhol, a língua oficial da Libertadores.

– Cansa ficar falando e pensando em português. É bom usar a nossa língua também e por isso marcamos jantares. Gosto de comida do mar mas acho que a carne do Brasil é espetacular. Vou muito à churrascarias de rodízio e já dei essa dica para o Berrío também – admite o volante, que ganhou o apelido de Ferrugem, referência óbvia à cor dos cabelos e às sardas no rosto. – Meu sobrenome é difícil (fala-se Cuejar). Apesar das línguas serem muito próximas, são diferentes. Principalmente em relação à pronúncia. Mas não ligo que falem errado.